terça-feira, 23 de março de 2010

SOBRE PAIS, FILHOS E TRABALHO

Abel Aquino

Meu pai, que é missionário protestante, contou-me a curiosa história de sua visita a uma família, moradora da zona rural. Quando se aproximava da casa, passando de carro pela estrada que atravessava a lavoura viu o homem de pé no meio da plantação. Meu pai parou o carro, desceu e foi ao encontro do homem. Quando o homem o reconheceu, abriu um largo sorriso e o cumprimentou muito alegre, depois deu um forte assobio e três garotos surgiram do meio do mato; eram seus filhos de 15, 14 e 13 anos. Meu pai olhou-o, sem entender o que estava acontecendo. Então o homem explicou que, quando viu o carro se aproximando, pensou que fosse o fiscal da secretaria do trabalho e, rapidamente, mandou os filhos se esconderem. O fiscal do estado poderia multa-lo, no mínimo passar-lhe uma dura reprimenda por estar fazendo seus filhos, menores de idade, trabalharem.
Esse incidente faz –me lembrar de que ainda não nos livramos de certos tipos de controles sociais que a maioria de nossos teóricos políticos insiste em que dizer que foram extintos no fim da idade média. Nossa vida privada continua sendo controlada, na verdade policiada por um aparelho estatal que se considera saber mais do que é bom para os filhos do que os próprios pais. Por que a sociedade que se submete passivamente ao um estado que se impõe como pai de nossos filhos, que, não só nos tira a missão de educar, como nos anula, nos tolhe, nos rebaixa perante nossos rebentos, mas, não nos substitui, pois o estado não unipresente, desconhece o cotidiano de cada família, embora sempre presente na coerção, na condenação?

Eu pergunto: o que está por trás dessa lei que proíbe os pais de darem trabalho a seus filhos?

Em primeiro lugar precisamos descobrir os grupos que tem influência política capaz de elaborar esse tipo de lei e aprová-la com base apenas em boas intenções. Desconheço movimento popular para pedir leis nesse sentido. Desconheço pesquisas revelando anseio espontâneo dos cidadãos, clamando pela intervenção do estado na vida particular de cada casal.
Depois que a lei foi aprovada, diante da carga enorme de divulgação, patrocinada pela mídia, na maioria das vezes, portavoz dos políticos, e diante da exaltação dos possíveis benefícios, sem sequer citar um malefício, é possível que o povo tenha aceitado tal lei.
Ninguém ponderou sobre os efeitos indesejáveis desse tipo de intervenção estatal na vida particular de pais e filhos.
Quantos pais, nesse imenso país são exploradores de seus próprios filhos? Quantos pais, repito, nesse imenso país, poderiam ser considerados maus pais? Qual a porcentagem? Alguém fez esse levantamento? Algum tipo de estudo?
Qualquer cidadão, com bom senso, sabe que existem pais que, por uma razão ou outra, não poderiam ser pais. Mas cabe, aqui, a pergunta: à partir de quantos por cento de maus pais justifica-se a criação de uma lei que interfira arbitrariamente na vida de todas a famílias desse país?
Parece que nada disso foi levado em conta pelos legisladores. A única justificativa para a criação dessa lei foi a de que, por princípio, uma boa intenção é suficiente. Diante das chocantes imagens de crianças de 5, 6 ou 7 anos trabalhando numa carvoaria num fundão perdido desse país, nossos nobres e impolutos políticos resolveram, tomados por um espírito de puro humanismo, premiar todos os pais, não importando quem são bons pais, pais regulares ou pais péssimos, com uma lei que limita, deforma seu papel de primeiro educador dos filhos e entrega ao estado a missão que, naturalmente seria sua, de determinar quando o filho pode trabalhar, ou melhor, quando o filho poderá aprender que o trabalho é o único meio honesto de ganhar a vida. Bem, honestidade é uma palavra bastante maltratada pelos políticos.
Diz o ditado popular que de boas intenções o inferno está cheio. No nosso caso, falando do Brasil especificamente, haverá superlotação do inverno, porque estamos cheio de gente coberta de boas intenções. Nossos políticos fazem barbaridades e se postam de benfeitores do povo.
Mas, volto a insistir na necessidade de identificar a mentalidade que está por trás dessa lei. Baseando na premissa de que as leis refletem a natureza de um povo, a maneira como uma maioria, uma classe determinante vê o mundo, interpreta a sociedade, poderemos descobrir o que está por trás dos elaboradores do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse estatuto é uma excrescência totalitária, um resquício dos piores regimes de submissão da sociedade, responsáveis por terríveis morticínios, daqueles que lutamos para nos livrar, mas insistem em estar presente em nossas vidas através do estado camuflado de protetor, de pai do povo, de defensor do mais fraco. Falo, principalmente, do nazismo e do fascismo.
Admito que nosso povo tem um fascínio por modelos de estados que preservem os aspectos totalitários desses regimes. Até mesmo os intelectuais, impregnados por ideologias românticas, defendem regimes totalitários, enfeitados por discursos de igualdade, justiça e proteção dos pobres. Na verdade, nossos políticos e seus aliados, os acadêmicos, parece considerar a sociedade como monte indiferenciados de gente desorientada, indiciplinada e de pessoas inimigas umas das outras. Para eles a ordem da sociedade só existe quando há um estado unipotente acima dela. Para esses neofascistas, o estado tem a missão de tirar a sociedade do caos, de estabelecer o papel social de cada individuo, de orientar as forças sociais e produtivas numa direção conveniente, de proteger cada cidadão de outro cidadão, de evitar as injustiças, de abolir as desigualdades naturais e artificiais, de tirar o fruto do trabalho de uns e dar a outros, com a justificativa de fazer caridade ou de fazer compensações. O pior é que essa mentalidade é predominante em nosso país.
Temos grupos socialistas-esquerdistas que são protofascistas por convicção ideológicas, temos os populistas que aproveitam da informação de que agradar a segmentos sociais ganha votos, temos os conservadores que imaginam uma sociedade hierarquizada e ordenada por uma elite superior e temos uma grande massa de gente sem opinião própria e com tendência a pender para o lado vencedor na batalha de idéias e formas de governo. O que quase não temos é o amor à liberdade, é a convicção de que uma sociedade saudável caminha para a preservação da autonomia do indivíduo, a convicção de que é a ausência de amarras ideológicas, religiosas, culturais e ou estatais - liberando a criatividade humana em todos os níveis - que garante a viagem pelo caminho da prosperidade e da felicidade.