terça-feira, 5 de março de 2013

OS EMBARAÇOS DA MODERNIDADE



Nossa civilização tomou um rumo que leva as relações humanas a se segmentarem de tal maneira que desapareceu aquele momento de comunhão social caracterizado pela exposição completa das pessoas em contato mútuo umas com as outras. Nas relações comerciais interessa ao comerciante o que eu quero comprar e quanto dinheiro tenho, nas relações profissionais, interessa ao patrão quanto de conhecimento e habilidade posso fornecer e ao empregado, interessa quanto o patrão pode pagar e por quanto tempo deseja empregá-lo; ao médico, interessa saber se o paciente tem recursos financeiros para pagar a consulta e o tratamento, ao advogado, interessa saber se o cliente terá condição de pagar seus honorários, todos eles reduzindo a pessoa humana ao limite desses seus interesses. Não sei se já houve uma época em que as pessoas construíam relações mais completas umas com as outras, mas é possível constatar, pelos relatos antropológicos, que tribos isoladas do mundo moderno vêem seus membros e relacionam entre si de forma completamente holística.
Não desejo defender uma antiga idade do ouro das relações humanas, porém, vejo que posso imaginar, sem cair em embaraços, que a modernidade da civilização humana ganhou muitos recursos e possibilidades incrivelmente úteis e benéficas, só que perdendo as vantagens e facilidades que tinha no passado. Quanta coisa boa perdeu do modo de vida mais primitivo, mais sob domínio dos elementos naturais, é coisa para muita análise e reflexões. Pode ser extremamente difícil levantar essas perdas e muito mais fácil enumerar as vantagens da vida moderna, mas posso desconfiar que,  a melhor parte da vida humana perdeu-se no impacto da revolução tecnológica que nos afastou da influencia das forças naturais e nos aprisionou ao mundo dos objetos mediadores das relações e aos recursos inventados para facilitar a vida. A quantidade enorme de meios de comunicação entre as pessoas, telefone com fio, telefone sem fio, rádio, televisão, rede de computadores é impressionante e, no entanto, não se constata melhorias na capacidade de compreensão humana. Quanto mais as pessoas se falam mais se desentendem. Quanta facilidade para se contatar alguém, para manter as pessoas entre si conectadas e, no entanto, sobe à estratosfera os conflitos humanos, os queixumes de uns contras os outros!
Escrevo tudo isso, não para defender uma espécie de volta a natureza ou para lutar pela construção de outra civilização utópica anti-tecnológica, mas, sim, para tentar fazer uma balanço de nosso atual modo de vida. As mudanças constantes e em ritmo cada vez mais acelerado que acometem nossa civilização alcançou tal vertiginosa velocidade que não temos tempo de filtrar o que chega de bom e benéfico, do que surge para piorar ou até mesmo por em risco nossa sociedade.  Abandonamos outros modos de vida e abraçamos as geringonças e recursos modernos como se estivéssemos caminhando rumo ao paraíso e, contraditoriamente, mais e mais mergulhamos num mundo perigoso, autodestrutivo e inumano.
As pessoas que surgem para denunciar o progresso e brigar pela preservação da natureza acabam passando por cimo dos pontos mais críticos de nossa civilização. Percebo que falta a esses denominados “defensores da natureza” e a suas organizações, um estudo maior da  outra natureza,  aquela dos instintos e impulsos do ser humano e, principalmente, ter o cuidado de separar o que tínhamos de bom do passado que poderíamos preservar  e o que podemos abraçar do que inventamos de benéfico no mundo da tecnologia, da medicina e da comunicação. Quero dizer que negar absolutamente ou defender absolutamente o mundo moderno é perder a oportunidade de ampliar a compreensão da natureza humana e com isso, tornar possível a construção de um futuro  melhor para as próximas gerações, incluindo aí a preservação, talvez melhor dizendo, a convivência com o restante do mundo natural.