sexta-feira, 18 de março de 2016

PODER E LIBERDADE

Quando Pedro é mais forte que João, Pedro vai explorar este de alguma forma e em seu benefício, assim como se João é mais forte vai explorar o Pedro em seu beneficio. Algum tipo de pacto espontâneo só surge quando Pedro  e João tem proporcionalmente o mesmo grau de poder,  e cada um se beneficiaria, exclusivamente, pela cooperação com o outro. Tendo equilíbrio de poder, as desavenças e mesmo luta entre ambos causa tanto dano ao Pedro quanto ao João. Por isso que o acordo de convivência surge como uma boa solução para ambas as partes. Mas é o balanço de poder  que vai determinar como serão as relações entre esses dois membros da sociedade. No momento em que estão procurando formas de convívio benéficas  a ambos não há uma elaboração mental, intelectualizada da situação. Eles agem movidos por instintos e interesses, busca de  benefícios e rejeição dos prejuízos. O resultado desse esforço de extrair vantagens dessa sociedade em formação será determinado, portanto, pelo balanço  de poder entre ambos.
Agora um pacto racional que os membros de uma sociedade estabelecem mais ou menos conscientes entre si, isso é coisa de intelectual que imagina que os outros seres humanos agem, na maior parte do tempo de forma racional e isso é uma impropriedade. O famoso pacto imaginado  por John Locke não passa de uma fantasia intelectual. Uma sociedade não se forma com uma convocação de seus membros em reunião para discutir uma forma de vivência e elaborar regras de comportamento, estabelecer direitos e deveres. Isso é pura tolice.
Os seres humanos não se comportam dessa maneira. Quem talvez esteja mais próximo da realidade da genealogia da formação das sociedades são aqueles pensadores que defendem a chamada ordem espontânea, que eu nomearia de organização social não intencional. Defino esse tipo de sociedade organizada de não intencional pelo fato de  estar ausente nela  o planejamento centralizado, consciente e racional de busca de regras e normas de convivência social. Na verdade, é ordem espontânea quando formada pelo jogo de interesses e anseios de  cada um, confrontado com os interesses e anseios dos outros. Não há transição abrupta ou planejada de uma sociedade de estado natural para outra formada por pactos racionais.
Locke estava preso ao mesmo principio filosófico de Hobbes que via na sociedade dois momentos distintos, que é a sociedade sem estado de desavenças e conflitos para uma sociedade com estado, baseada numa imposição de regras e normas por uma elite esclarecida e investida de poder sobre os outros membros. Locke apenas trocou o estado pelo pacto.

Resumindo, vejo que uma sociedade qualquer pode ser caracterizada facilmente pelas relações de poder entre seus membros. Portanto, uma sociedade igualitária não é aquela em que todos tem a mesma renda, mas sim, a em que o poder está diluído entre seus participantes. Quando o poder está concentrado em um pequeno grupo ou classe, esse grupo ou essa classe irá explorar, de alguma forma, o restante da sociedade.  Portanto a igualdade social não pode ser fruto da bondade de uma elite poderosa, mas sim resultado de uma desconcentração do poder.  Se  Pedro não tem poder de mandar em João, este tem a “liberdade” de viver sua própria vida. Podemos até criar a máxima de que “ adquirimos a igualdade quando somos livres e vivemos em liberdade  porque não há ninguém que tenha poder sobre nós. 

sexta-feira, 4 de março de 2016

DUAS GRANDES REVOLUÇÕES ESQUECIDAS

Dentro do cristianismo, a grande revolução que percebo está na reforma protestante. Esse movimento, que introduziu novos valores sociais e cuja aplicação deu origem ao mundo  liberal moderno, possuía  aspectos fundamentais nem sempre destacados pelos pesquisadores. Falo de duas características que foram decisivas, destacadamente como nenhuma outra, quais são, a crença na relação pessoal com Deus, sem a necessidade da intermediação do padre local ou da igreja, e a dignificação do trabalho, da atividade mercantil e da busca de lucro, resultando no enobrecimento da atividade produtiva, do empreendimento mercantil e no sucesso através de negócios comerciais.
O primeiro deu origem ao individualismo do “self made man” e o segundo aboliu a tradição de que o trabalho era uma atividade vil, reservada a escravos ou aos extremamente pobres.
O individualismo e a dignificação do trabalho foram por si só as maiores revoluções já realizadas pela humanidade.
Mas não podemos esquecer que essas revoluções aconteceram onde o poder papal foi quebrado. Nos países em que a reforma protestante não penetrou, permaneceram crentes na hierarquia católica e no desprestigio do trabalho e do comércio. Essas revoluções se espalharam pelo mundo por osmose e lentamente,  forçando mudanças mais pela força do estrondoso sucesso do individualismo e da dignificação do trabalho. O resultado dessa brutal mudança foi uma imensa prosperidade da maior parte da população de alguns países, impensável nas sociedades rigidamente hierarquizadas e elitistas que perduraram após o fim da idade média. Essas nações, ao quebrarem simultaneamente o jugo papal e limitar drasticamente o poder da elite política, estabeleceram a liberdade de ação, a criatividade sem limites, a inventividade corajosa e a ousadia produtiva e comercial, coisa sem paralelo na história da humanidade.

Infelizmente os ventos da reforma protestante não sopraram nos países latinos, cujo domínio católico combinado com sistemas políticos centralizadores e totalitários, preservou, quase intocado - uma espécie de esqueleto mental pré-histórico - a aversão ao trabalho e a visão orgânica da sociedade. Nessa parte do mundo as sociedades são divididas entre esclarecidos e simplórios, uma concepção que exige que os esclarecidos comandem os simplórios,  onde o individualismo só é aceito entre as classes dos esclarecidos, restando aos simplórios a opção de aceitar, bovinamente, o papel de membro obediente do bando de baixo. Como trabalhar é considerado uma atividade degradante, torna-se necessário manter um grande contingente de pobres que, que sem escapatória, se sujeitam a trabalhar e a fazer calos nas mãos. Mesmo os movimentos esquerdistas não se livram dessa mentalidade, apenas a disfarçam com uma retórica de distribuição de riqueza, como se esta pudesse ser desmembrada do trabalho e do empreendimento. Pensam, não sei se ingenuamente ou com má intenção, que a riqueza pode ser distribuída indefinidamente. No final, acabam distribuindo somente a pobreza.