terça-feira, 23 de junho de 2009

NÃO SE FAZ GUERRA COMO ANTIGAMENTE

Abel Aquino

As guerras modernas possuem uma característica que não vemos nas batalhas de outrora. Hoje, as guerras precisam possuir regras e uma delas é a de poupar civis. Mas, guerra com regra soa estranho, pois, os motivos que originam essas eventos, raramente são lógicos ou sensatos. Mas não diferem significativamente de briga de rua, ou seja, surgem de causas banais e, quando os contendores se atracam, quem usa de todos os recursos e não poupa energia, geralmente vence. Temos dois exemplos neste momento.
A Colômbia e o Sri Lanka são estados que conviveram com dissidências armadas por longo período e encararam essa questão da mesma forma: enfrentar as respectivas guerrilhas internas como apenas um problema a mais a ser considerado e não como prioridade acima de tudo.
No Sri Lanka, com a eleição de Mahinda Rajapaksa, as questões da guerrilha separatista tornaram-se prioridades e o combate a mesma foi eficiente, sem sujeição a certas regras civilizadas de guerra.
Os guerrilheiros - chamados Tigres Tamis – contaram, por muito tempo, com a cobertura da população civil, e isso vinha funcionando. Na tentativa de derrotar a guerrilha, os governos anteriores não se dispuseram a sacrificar vidas inocentes.
Mahinda Rajapaksa e seus irmãos resolveram enfrentar o problema ignorando os custos civis da empreitada. O resultado foi a enorme perde de vidas da população desarmada.
A ONU afirma que mais de sete mil inocentes foram mortos na campanha.
No dia 19 de maio de 2009, o presidente Mahinda Rajapaksa comemorou a derrota final da guerrilha Tamis e a pacificação do país, confirmando o controle de todo o território nacional.
Qual foi o preço dessa vitória?
O presidente Mahinda, praticamente, fechou o país à imprensa internacional, silenciou os críticos - até com morte de jornalista, dizem seus opositores - expulsou ONGs humanitárias que trabalhavam nas áreas controladas pela guerrilha e não poupou civis, usados como escudos por esses rebeldes.
Por outra lado, na Colômbia, os governos se sucederam sem dar prioridade a derrota da guerrilha. Mesmo Álvaro Uribe, o atual presidente, que, aliás - mais sucesso teve no combate às FARCS - tem hesitado em empreender uma campanha total contra os mesmos.
Vai daí que vemos uma sucessão de meias-vitórias sem fim, um enfraquecimento da guerrilhas, sempre temporário, até que elas se renovem, se rearticulem e voltem, novamente, a crescer.
Nesses constantes embates morrem sempre civis, e, ao longo de vários anos, acabam somando quantias enormes, sem que se saiba qual o fim disso.
Deveriam os governante da Colômbia ignorar as regras de guerra civilizada e partir para um combate final, incluindo a aceitação de imenso custo civil da empreitada?
É difícil decidir. Guerras, no momento atual, podem ser cobertas por uma mídia sensacionalista, ávida por audiência a qualquer custo, disposta a tomar partido do leitor/espectador e promover uma campanha mundial de condenação aos governos em guerras internas ou com vizinhos, não considerando as condições especificas dos problemas de cada país. Além disso, temos o conserto das nações, uma espécie de governo mundial que, encarnado pela ONU, pode, até certo ponto, interferir nos assuntos internos de qualquer nação.
Como decidir?
Um custo civil, por exemplo, de dez mil mortes de inocentes em alguns meses ou um custo civil de dez mil mortes em 20 anos de guerra constante, desgastante e infrutífera?
Podemos lembrar da guerra do Vietnan, quando a maior máquina militar do planeta foi derrotada por um exércitos de soldados descalços. Perderam porque impuseram, por pressão da mídia, do povo Americano e dos críticos, limites operacionais numa briga que não podia ter regras.
Foi a primeira guerra que podemos chamar de “midiática” e nunca mais as guerras foram as mesmas.
Foi boa essa “evolução”?
Não podemos esquecer que matanças de seres humanos, sejam por quaisquer motivos que forem, são condenáveis. Quem sabe a midiatização das guerras não represente um primeiro passo para acabarmos com elas!
Será isso otimismo?
Quando analisamos as razões das brigas, seja elas de botequim ou de grandes nações, o que vemos em comum é a falta de lógica, de sentido mesmo, e está na hora de o ser humano aprender a dialogar, em vez de trocar bombas.
Para continuarmos exemplificando, esse eterno conflito no oriente médio revela bem a falta de bom senso e até de racionalidade mínima dos seres humanos, principalmente quando escudados por noção de raça, estado, nação ou territorialidade. Qualquer analista externo a essa desavença, percebe que a solução é ambos, Israel e Palestinos, encontrarem um modus vivendi, repartirem as terras em disputas e, no final, tocarem suas vidas da melhor maneira que puderem. Mas, não, um quer a destruição do outro, e isso, nos dias de hoje é inadmissível.
Nos tempos bíblicos um povo qualquer derrotava outro povo, matava mulheres e crianças, salgavam o solo de suas antigas moradas e apagavam seus nomes da história. Hoje, em nosso mundo midiático, graças aos deuses, isso é impossível.
Já estamos mais civilizados, talvez.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

UM MONGE EM MINHA LAVOURA - 1

Abel Aquino


Estive meditando: existe incompatibilidade entre pensamento e ação? Pensar atrapalha o agir? Ocorre-me a cena de algum monge budista sentado numa pedra ao frio e ao vento, imóvel, pensando na vida. Será que isso tem sentido?
Estava roçando o pasto, o sol queimava minhas costas e o suor descia pelo pescoço, típico serviço braçal como se diz pejorativamente. Embora agitado, eu continuava a pensar, imaginar coisas, fazendo conjecturas e planos. Parece que minha mente trabalha outro tipo de atividade, mas sem atrapalhar os braços nem as pernas. O vizinho passou pela estrada, agitou a mão sem desviar do seu caminho, e seguiu trocando largos passos e gingando o corpo. Seu chapéu estava destrançado numa parte da aba e manchado de barro.
Parei de roçar e olhei para o horizonte ao sul, procurando captar, em meu corpo, aquela imensidão de mundo ao meu redor e ao mesmo tempo sentido o cheiro do capim cortado.
A noite, depois do jantar, peguei o livro AURORA, de Nietzsche, para ler. Estava com muito preconceito na cabeça. Fui até a varanda com a lamparina na mão direita e o livro na esquerda. Sentei-me no banco e, ouvindo os curiangos , comecei a leitura. Sei que Nietzsche condena a filosofia por ter-se afastada do cotidiano da vida e isso me agrada.
Mas enquanto lia, como já disse Emerson em algum lugar, fui tendo meus próprios pensamentos e parei de ler para pegar um caderno e escrever o que estava fervendo em minha mente.
Sei que ninguém virá me perguntar porque estou lendo Nietzsche, pelo menos nesta região.
Algum vizinho pode aparecer por aqui, mas irá perguntar sobre gado, cavalos e, principalmente, se vai chover amanhã. Talvez nem notará que estou lendo um livro que não seja a bíblia. Mas o que me preocupa, na verdade, é em que posição estou jogando meu campeonato particular da vida. Estou no time dos dominadores ou no dos escravos? Quem sabe eu seja um escravo com pretensões de senhor ou, mesmo um senhor com crises de masoquismo. O ato de viver já é uma forma de superar alguma coisa, de afirmação e conquista. Minha curiosidade leva-me longe, através dos caminhos da filosofia como a daquele bêbado na festa de aniversário do Oswaldo. Tirando o hálito pouco suportável, disse uma grande verdade: “a gente não bebe para esquecer mas para espantar o medo”. E quem não é perseguido pelo medo?


Ontem estive ateando fogo no roçado à beira do brejo. Depois de espalhar os pontos de chama pela palha seca ao longo da roça, fui sentar à sombra de uma árvore, longe da fumaça espalhada pelo vento. O fogo cresceu e, em pouco,tempo, todos os pontos se uniram numa enorme labareda, varrendo a palha do capim cortado.

Depois do jantar, de noite, peguei meu caderno de anotações e escrevi apenas: “toquei fogo na roça hoje”!

Nietzsche tem razão, nalguma curva da história o ser humano fugiu da vida e passou a cultuar Idéias, alimentar Idéias, defender Idéias, matar por Idéias e a torturar seus semelhantes por terem a mania de cultivar Idéias diferentes. O grande problema das Idéias é que elas não tem forma nem conteúdo e quanto mais lhes faltam forma e conteúdo, mais elas dominam. Mas, eu que sou simples, acredito apenas na minha roça queimada e, ingenuamente, ficaria espantado se me dissessem que existem diferenças entre minha roça e a idéia que podemos fazer dela. O vizinho do sul cria porcos e o do norte engorda gado. Não são muito religiosos, mas possuem uma fantástica filosofia de vida, qual seja a de tudo o que depende deles enfrentam e resolvem, e tudo o que depende da sorte ou de causas acima de sua compreensão, deixam para Deus resolver. Com isso vivem maravilhosamente bem. Se o padre aparece pedindo uma novilha ou uma porca para a quermesse da semana santa, eles dão duas e sentem-se que já fizeram sua parte. Se falta chuva e sua horta morre de seca, culpam Deus por isso e seguem em frente.
Gostaria de ter essa simplicidade.
Mas voltando a questão da roça queimada, digo que é a experiência que faz uma imagem dessa ter o aspecto concreto em nossa mente. O fosso entre a imagem e a realidade só existe quando não vivemos essa última. Quando há uma integração entre o que vemos, sentimos, ouvimos e cheiramos não há conflito entre o fato e sua representação.
Por isso dou valor a liberdade e quero que o mundo me deixe viver do jeito que achar melhor. Vou ser egoísta quando achar que preciso ser egoísta. Posso ajudar meu vizinho a desatolar sua camionete sem ser cobrado ou levar ao hospital a mulher grávida do Joaquim sem achar que fiz uma boa ação, mas porque simplesmente quis fazer isso.
Meu objetivo é viver sem prestar conta a ninguém que não a mim mesmo. Gosto de estar só cercado de mato e animais, curtindo a chuva, o sol do campo, a visão das montanhas intocadas. Quando me canso do sossego vou à cidade e procuro as pessoas para tagarelar por horas. Gosto de ir até a fazenda do Álvaro e ver se ele precisa de ajuda na aragem da terra. Passo o dia por lá, trabalhando com ele, com seus empregados. Quando paramos para almoçar, debaixo do rancho de palha, proseamos como gente tagarela e qualquer assunto serve de tema e consegue esticar a conversa.
Mas tem dia que quero estar só, com meus pensamentos, com meu horizonte aberto e sujeito a raios e tempestades. Nessas horas procuro conhecer meu ritmo, as leis que vigoram em meu interior. É o momento de avaliar minhas escolhas e minhas crenças, sem deixar nada de fora do pensamento.
O problema de nossas religiões é que consideram o ser humano uma espécie de câncer que deixado a si mesmo desenvolve desordenadamente e se transforma em monstro. Pensando assim qualquer tentativa para domesticar o ser humano parece sensata, mesmo que custe o aniquilamento do ser. Todas as crueldade perpetuadas pela humanidade foram justificadas por racionalizações tais como: eram hereges, eram ímpios, eram bárbaros, eram inimigos do Estado, eram blasfemos ou simplesmente pecadores.
Quando pergunto a mim mesmo: sou uma pessoa má ou sou uma pessoa boa? Por exemplo, não tenho prazer nenhum em torturar um rato quanto mais torturar outra pessoa, por isso acredito que não sou de todo mau. Mas tem horas que odeio certos indivíduos e imagino cortar suas gargantas e vê-los morrendo a meus pés, então penso: será que sou uma pessoa cruel?
Nietzsche diz que somos humanos, demasiados humanos, mas isso não esclarece minhas dúvidas.
Quando era criança, percebi que meu primo gostava de pegar o nosso gato, amarrar um pano embebido em óleo no seu rabo, tocar fogo e se divertir com a correria do pobre animal. Aquilo me parecia um horror. Ele era um garoto mau? Não sei. Quando adulto mostrou-se bom marido, bom pai, bom amigo das pessoas.
Na verdade, não posso confiar nas palavras e duvidar de pessoas, pois as palavras são tão escorregadias quanto a personalidade de um ser humano.
As palavras são, parafraseando Nietzsche, uma espécie de bolso, onde ora se guarda uma coisa ora se guarda outra. As palavras são como bolsos, recipientes vazios prontos para serem preenchidos. Mas o mal não está nessa propriedade das palavras, mas está em ignorar essa propriedade e dar a qualquer palavra um sentido absoluto.
O que realmente procuro é viver minha vida de conformidade com meus instintos, sem medo de me tornar uma fera, mas convivendo com meus demônios interiores e indo além, compreendendo os demônios dos outros.
Gasset dizia: “viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo”, e é o que move minhas pernas nesta caminhada.



Naquela região, próximo à Santa Cruz, não existem muitos moradores. A maioria das casas são sedes de fazendas ou sítios e ficam nas baixadas, próximas da água. As crianças saem, de manhã, com seus livros e cadernos e, na medida que vão alcançando a estrada principal elas se encontram e caminham, dez ou quinze, juntas para a escola rural. A maioria dos pais acredita que a escola pode ensinar coisas que eles próprios não seriam capazes. Ignoram que a escola, tirando o prédio, é a professora e, o que as crianças vão aprender, depende da capacidade, do interesse, da dedicação e da paciência da professora. Esta pode ter boa noção de matemática, de geografia, de gramática, mas possuirá alguma noção de como se comunicar com uma criança? Como transmitir seus conhecimentos à criança sem que seja castigo? Na maioria dos casos a lição mais inesquecível de uma criança é a da reguada na cabeça, ou como antigamente, da palmatória. A criança não liga a palmatória ao estudo da matemática e, sim, à escola como um todo. Nas grandes cidades o castigo foi abolido, mas junto com a abolição do castigo foi o respeito à professora. Agora enfrentam um novo problema: como dar aula numa classe tumultuada, sem poder dar nem um puxão de orelha sequer. É impossível achar um pai que pensa nessa extremamente complexa arte de ensinar ou de passar conhecimento do professor para dentro da cabeça do aluno.
Mas a melhor lição de vida as crianças adquirem é no caminho para a escola, quando se juntam em bando, com brincadeiras, conversas, provocações, namoricos e com certa freqüência, boas brigas.
Elias já tem uns 13 para 14 anos e não se dá bem com o Douglas, filho do Sebatião, o vizinho ao sul de sua casa. Ambos gostam da mesma menina, a Dalva. Encontrei-o abrindo a porteira, retornando da escola. Parei minha bicicleta e puxei conversa com ele.
- Como está indo o estudo? Perguntei.
- ´Stá bem, respondeu. - ´Ocê vai chegar lá em casa? Perguntou em seguida.
- Não estou indo para o povoado.
- Teve na escola ontem, vai dar aula lá?
- Não, fui ver a professora que ficou de falar com vocês sobre a campanha de combate à doença de chagas. – A professora já explicou para vocês o que é doença de chagas? perguntei.
- Ainda não, mas sei que é aquela que ataca o coração, concluiu.
- É isso aí.
- A gente pega da mordida do persevejão, né?
- É isso mesmo, concordei.
- Mas, conta qual é a sua matéria preferida?
- Eu estudo todas... é preciso, né? Respondeu sem jeito.
- Quero saber qual matéria é mais fácil para você, ou é mais agradável?
- Bem, gosto de história.
- Você lê alguma coisa além do que a professora manda?
- Não. – Não tenho outros livros.
- E se eu emprestar um, você lê?
- Leio, sim. Respondeu. – o que fala no livro? Perguntou curioso.
- Bem, tenho vários livros de história. – verei qual pode ser mais fácil para você.
- ´Tá bom. – Eu vou chegando, falou passando pela porteira.
Despedi-me dele e fiquei olhando-o afastar pela estrada, com sua bolsa de pano cruzada no ombro. É difícil estudar ou, melhor, ter curiosidade por coisas dos livros quando a criança vive num mundo ausente de livros. Os pais analfabetos ou daqueles que dizem que lêem para o “gasto”, não tem a mínima idéia da importância de se conhecer o universo dos livros.
Praticamente em todas as casas que visitei nesta região, o único livro que eventualmente aparece é a bíblia, mas sempre com o papel de enfeitar a estante ou a mesa da sala do que propriamente um livro para a família ler e meditar.
Outra coisa que chama atenção por aqui é a falta de horta no quintal ou mesmo de roça bem organizada. Os terreiros das casas são sujos, povoados por galinhas, porcos soltos, cachorros e gatos. O máximo que a gente vê é um pequeno canteiro de cebolinha e temperos básicos.
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