terça-feira, 4 de outubro de 2016

QUE PAÍS SERIA ESSE SOB OS BOLORES DA HISTÓRIA?

A forma como nascem as nações pode dizer muito sobre seu povo e sobre o rumo que  tomarão ao longo dos séculos. Os Estados Unidos da América completou sua independência quando consegui uma constituição federalista,  pautada em princípios, na maioria, opostos ao princípios que embasaram a formação da nacionalidade brasileira. Um exemplo esclarecedor é o daquela famosa declaração de Alexander Hamilton, por ocasião da elaboração de sua constituição. Expunha ele a seguinte questão: Se os homens são capazes de se dar a si mesmos um bom governo por própria reflexão e escolha, ou se a Previdência os condenou a receberem eternamente a sua constituição política  da força ou do acaso. Hamilton queria dizer que os constituintes estavam sob um grande dilema: seria o povo americano capaz de construir um sistema político aberto, democrático e o mais consensual possível, esforçando cada um a si mesmo para colaborar na construção de uma nova sociedade baseada na liberdade individual ou, não sendo capaz disso, ser obrigada a submeter-se a um governo despótico e autoritário de poucos sobre os muitos?
Esse dilema jamais povoou a mente de qualquer constituinte de nenhuma das várias constituições  com as quais se tentou consolidar a nação brasileira. Aqui, no Brasil, desenvolveu-se uma cultura baseada no “comando e controle”, representada pela questão de quem pode mandar e quem deve obedecer. A idéia de liberdade política, de participação do povo na elaboração da constituição organizadora da sociedade nunca foi cogitada. Para a mentalidade portuguesa e posteriormente pela da elite brasileira o dilema era outro: como uma sociedade deve ser comandada. Se por métodos duros ou se por métodos suáveis. Não havia nenhuma crença na autodeterminação das pessoas, nos benefícios da liberdade individual ou na livre iniciativa dos indivíduos. A questão era outra: quem está preparado para mandar e quem está condenado a obedecer. A cultura brasileira prevalecente era de que uma boa sociedade é aquela que se constrói com uma elite competente. “Ordem e Progresso” foi o lema que sintetizou toda essa mentalidade.
Enquanto os norte-americanos discutiam em 1787 o quanto sua nascente constituição deveria ceder aos interesses das elites e quanto poderia incorporar das demandas do povo comum, nossos vários constituintes estavam preocupados em criar um estado centralizado, apto a organizar a sociedade de determinada ordem e capaz de manter por tempo indeterminado essa ordem. O dilema era entre métodos e formas de comandar o povo. A última constituição optou por criar uma constituição voltada para a proteção de uns contra outros, inspirada na mentalidade de estado paternal, uma espécie de cunha encravada entre os fortes e os fracos, entre os ricos e os pobres. Como predomina uma concepção latina, uma visão de que a sociedade é composto por três elementos, os ricos , os pobres e o estado e que este último sempre foi o sustentáculo dos ricos para explorar os pobres, conclui-se que uma boa sociedade seria possível quanto invertesse a ordem, organizando um estado que protegesse o pobre do rico. Nessa visão, o estado aparece como elemento neutro, sobre-humano, isento de falhas e sempre correto e justo em suas ações e imposições.
Enquanto os constituintes norte-americanos debatiam uma forma de proteger o povo dos arbítrios do estado, no Brasil se discutia uma forma de colocar o estado entre o pobre e o rico, ignorando totalmente os perigos de dar poder ao estado e nenhuma proteção ao povo contra o eventual   abuso desse poder. Acabou que o pobre é obrigado a viver sob o jugo do estado que se diz seu protetor e sob o jugo das elites poderosas que seqüestraram o estado para seus interesses. Vivemos numa sociedade que cede ao estado o monopólio de poder de fazer o bem sem meio algum de impedi-lo de desviar do caminho e oprimi-lo . Nossa constituição não nos protege contra os políticos de forma alguma, pois foi elaborada por eles, para servir a eles e não ao povo. Durante sua elaboração, os constituintes acreditavam piamente que sabiam, mais que o próprio povo, o que seria bom para ele e imbuídos por espírito de boas intenções, mantiveram o povo longe do poder convenientemente.Acreditavam possivelmente: sabemos o que é bom para eles melhor que eles próprios; para que consultá-los?
Na elaboração da constituição norte americana, uma ala clamava para que todos ouvissem a voz do povo e não só as das elites ricas e instruídas, outra defendia a construção de um estado que protegesse os ricos das revoltas dos pobres, uma terceira buscava um meio termo entre preservar o interesse dos ricos e proteger os direitos e a liberdade dos pobres.  No fundo, o entendimento predominante era de que a constituição deveria agradar a todos: proteger os ricos dos pobres e ao mesmo tempo ceder em boa parte aos interesses do povo comum, limitando o poder do estado de forma a evitar que fosse dominado pelos ricos em detrimentos dos pobres nem dominado pelo povo em prejuízo dos ricos. Predominava a crença no direito natural e na liberdade individual. Como escreveu Thomas Jefferson:  Todo governo, na terra, tem certo traço de fraqueza humana, certo germe de corrupção e degenerescência que a esperteza descobrirá e a maldade insensivelmente porá a nu, cultivará e aperfeiçoará. Todo governo degenera quando confiado somente aos governantes do povo. O próprio povo é seu único depositário seguro. Acreditava Jefferson que um governo sobre o povo em vez de um governo do povo, acaba sempre pervertido, tornando-se um flagelo ao próprio povo que o elegeu.
Nosso pecado original e fatal, como brasileiros, é acreditar que existe apenas duas formas de sociedade: aquele que vivem sobre um governo mal e aquele que vive sobre o jugo de um governo bom. Nunca imaginamos se é possível existir uma sociedade em que o povo governe a si mesmo, onde cada indivíduo seja tutor de si mesmo e não tutelado por um estado sujeito a voltar-se contra ele. De certa forma os constituintes norte americanos cultivavam, com quase unanimidade, uma profunda desconfiança de qualquer forma estatal centralizada que não aquela que o povo pudesse domá-la.

Resumindo. Em nossa concepção é o estado que viabiliza a boa sociedade e não o contrário. Acreditamos inviável uma sociedade criar um bom estado, limitado em poder, subordinado à  sociedade. Na realidade, nosso inferno é não acreditar nas pessoas comuns, essa convicção de que uma idéia de qualquer homem culto vale mais que mil idéias da multidão sem estudos. Conservadores e esquerdista igualmente querem manipular as massas. Os primeiros desejam um povo obediente e ordeiro, satisfeito com o que são e com o papel que lhe reservaram  exercer. Já os esquerdistas manipulam o povo para que tornem soldados obedientes de seus projetos de pilhagem e roubo; fora do poder, o povo seria seu soldado, conquistando poder, o povo deverá servi-los submisso. 01/07/2016