quarta-feira, 27 de agosto de 2008

DESIGUALDADE SOCIAL?

Abel Aquino

Pergunta: Como conviver com a desigualdade social?

Essa pergunta imposta aos examinandos do ENEN- 2007, subentende uma complexa concepção da sociedade que precisamos, primeiramente, concordar ou discordar, ou seja nessa pergunta já embutiram uma concepção inteiramente questionável da realidade social . Os estudantes, possivelmente, não aprenderam a pensar nas interrelações de causa e efeito dos agentes sociais. Portanto o tema é complexo e capcioso na medida em que desafia o examinando a se posicionar frente a uma questão já aparentemente ou ideologicamente definida.
Levando em conta que nosso sistema educacional está fatalmente contagiado por ideologia exótica de igualitarismo baseado na expropriação de quem tem para dar a quem não tem, não espanta ao bem informado a astuta pregação que acompanha esse tema tão mal formulado. De qualquer forma podemos e devemos encarar essa questão até porque seria covardia não defender as mentes dos adolecentes sobmetidos a tamanha lavagem cerebral sem um ái da nossa parte.
E o primeiro passo é desconstruir essa pergunta.
Portanto vou duvidar e fazer uma pergunta simples: Existe mesmo desigualdade social?
E se existe o que é?
É o fato de uma sociedade possuir membros que são ricos e outros que são pobres?
Mas o que é ser rico?
E o que é ser pobre?
Rico é aquele que possui muitos bens e tem uma renda alta?
E ser pobre é não ter bens ou ter poucos bens e renda baixa?
Pelo critério de renda ou de padrão de vida só consigo fazer uma constatação: o rico é rico por que tem alta renda e o pobre é pobre porque tem baixa renda.
Mas por que essa diferença de renda? Posso dizer que é porque o rico tem mais estudos, tem formação superior e o pobre mal frequentou os primeiros anos escolares. Parece que aí temos uma explicação. O rico tem habilidades, conhecimentos, informações que vende por um bom preço no mercado. E o pobre não tem o que vender ou o que vende não tem muito valor; é um conhecimento tão básico que tem pouco importância econômica. Então, até agora cheguei a questão que explica, por um aspecto, porque parte da população é pobre e outra parte é rica.
Mas continuo na tentativa de responder a questão proposta.
Não posso acreditar que os pobres são pobres por uma questão de opção. São pobres por algum motivo, seja ele pessoal ou social ou uma mistura de ambos. Pode até mesmo ser por muitos motivos. Pobreza não parece ser uma escolha feliz. Quando converso com alguém que tem pouca renda, percebo que ele vive de um trabalho básico; a sua contribuição na renda nacional é insignificante. Já a parte do trabalho, do empreendimento do Sr. Fulano, diretor presidente de uma grande industria é significativa, mensurável até. Não posso imaginar qual é seu consumo pessoal, quanto gasta mensalmente para viver sua existência confortável. Mas imagino que trabalha duro, não no sentido vulgar, mas de maneira a satisfazer as exigências do carga que exerce. Voltando a questão do pobre, posso perceber que falta ao pobre os meios de se preparar melhor, em termos de aquisição de conhecimento, para enfrentar o mundo; não tem muitos recursos para vender portanto não consegue renda suficiente para, por exemplo, investir na educação do filho. E dessa forma o filho vai repetir as desventuras do pai. É um círculo vicioso.

Muitos acham que para tirar o pobre desse círculo vicioso é necessário a intervenção do Estado. Cabe ao Estado dispor ao pobre a escola, de forma gratuita, para que estude, tenha profissão e garanta uma renda muito melhor que a de seu pai. Mas percebo que o pobre é mais do que alguém com poucos estudos. Ser pobre é uma forma de vida e portanto tem uma inércia enorme e resiste a mudança mesmo que seja para melhor. Vejo que ser pobre é também reproduzir a pobreza. Uma visão bastante peculiar do mundo.
1 – Não dá a devida importância ao estudo. Como não há o desafio do meio social, o estudo se afigura enfadonho; coisa de longo prazo que parece incerto.
2 – É imediatista. Talvez devido a suas múltiplas carências quer beneficios imediatos.
3 – O meio social do pobre não oferece emulação, desafios com que contar para justificar um esforço incial para usufruir o resultado depois.
4 – A sociedade mais acima, classe média em diante, ignora os pobres, despreza e como nossa sociedade não possui uma cultura de trabalho comunitário, não faz ponte entre si e os pobres. Mesmo quando a classe média se sente ameaçada pelos pobres prefere exigir repressão à solidariedade. Podemos incluir aí até mesmo a igreja porque ao longo de nossa história ela foi totalmente omissa.
A sociedade pede que o Estado seja o redentor dos pobres, quer que o Estado faça aquilo que ela não faz. E o Estado pode ser o redentor dos pobres?
Ora, no nosso caso, brasileiro bem entendido, o Estado nasceu antes que a sociedade; na verdade, não nasceu, foi importado de Portugal. E o Estado sempre enquadrou a sociedade, ou seja, desde Cabral a função principal do Estado é de usar a sociedade para seus fins. Após a independência, esse modelo de Estado predador da sociedade continuou, adotando, na verdade, formas mais sofisticadas de sugar s sociedade sem muita dor. A democracia brasileira foi imposta apenas como forma de evitar conflitos entre grupos de poder. Daí a alternáncia de grupos no governo. A função do povo é de fazer o papel de curinga, legitimar essa alternância do poder sem contestação da parte perdedora. Então o pacto que existe em nossa sociedade é o pacto entre grupos de poder para se sucederem no comando da Nação, ou seja no direito de esfolar a sociedade. O papel de Estado prestador de serviços é uma ilusão. Quando analisamos o que as estruturas do Estado fazem, percebemos que é de prestar o mínimo, e de má vontade, apenas como forma de não deixar que a verdadeira razão fique evidente ao povo. Os próprios funcionários públicos são parte dessa engrenagem. Conseguiram estabilidade perpétua para que possam sobreviver a alternância do poder sem traumas. Um Estado capaz de quebrar o círculo vicioso da pobreza precisaria ser outro Estado, ter uma função que hoje é apenas de fachada. Cabe a nós lutar para abrir os olhos do povo e que veja a real razão de ser do Estado brasileiro; a de poder predador. Quando a sociedade não aceitar mais esse modelo de Estado sugador, os políticos serão automaticamente substituídos por prestadores de serviços à sociedade. Nosso povo foi obrigado a se relacionar de forma vertical, porque o Estado sempre desconfiou das atividades sociais que pudessem organizar o povo a se opor a ele. Portanto o relacionamento horizontal, não hierarquizado, de pessoa para pessoa, sempre teve algum tipo de restrição e a sociedade não aprendeu a ser solidária, não aprendeu a se organizar fora da esfera do poder político. O Estado é o verdadeiro causador das desigualdades sociais na medida em que controlou todos os aspectos de nossa vida, tanto social quanto econômica, isso desde Álvares Cabral. Já fomos proibidos de ter industrias, de formar organizações de educação e de auxílio aos pobres. Quando se decidiu construir indústrias, preferiu-se fazer sob a sombra do Estado para que não escapasse ao controle dos políticos.
Quando o Estado falha na educação, na verdade, não devíamos ficar surpreendidos porque o verdadeiro papel histórico do Estado é de fornecer uma educação dirigida, parcial. Os políticos tem horror a povo esclarecido. Antigamente a educação oficial contava uma história cor de rosa de nosso passado. Hoje tenta convencer os pobre de que sua condição é consequência da ganância dos ricos. Aliás, isso pode até ser verdade se considerarmos os ricos que fazem parte dos círculos do poder, tão sugadores da sociedade quanto os políticos, mas não dos ricos que chegaram a riqueza pela competência e pelo empreendimento, embora sob o peso opressivo das burocracias legais e impostos extorsivos.

Portanto, respondendo a pergunta de como conviver com as desigualdades sociais, posso afirmar que essa pergunta foi uma armadilha lançada à frente dos examinandos para que se posicionassem ideologicamente em face de uma educação comprometida com princípios camufladores dos verdadeiros problemas que culminaram, em nossos dias, na consolidação de uma sociedade com enormes disparidades de educação, de renda e de oportunidades de ascensão social.
O verdadeiro vilão das desigualdades sociais é o Estado, ou mais precisamente, são os políticos que tiveram o poder do Estado em suas mãos, mistificaram seus verdadeiros interesses de se beneficiar do exercício desse poder, lançaram mão de retóricas manipuladoras da sociedades tais como “ o Estado é o guardião do povo” , “o estado é o defensor do mais fraco” ,” é o pai dos pobres”, “ protege o pobre da ganância do rico”. Para manter o povo sob transe, lançam mão de discursos populistas de que estão trabalhando para o bem de todos, enquanto intramuros formam quadrilhas de assalto aos frutos do trabalho do povo em forma de impostos escorchantes. Daí alimentam seus projetos personalistas de riqueza e poder. Outrora tivemos a indústria da seca, uma forma descarada de se beneficiar da miséria do povo das regiões semidesérticas, desviando dinheiro das regiões prósperas para seus curais particulares. Nos dias de hoje essa prática generalizou-se e temos nacionalmente a “industria da pobreza”, uma forma de extorquir a sociedade em dez, dar um para os pobres e embolsar nove. Quando estudamos nossa historia desde 1500, ficamos impressionados com a constância desse “modus operandi” dos políticos que já passaram pelo poder: sentem-se donos do país, brincam com o destino do povo, desviam dinheiro para seus bolsos, formam compadrios, beneficiam uns e esfolam outros, prometem o paraíso e deixam o desilusão. Não importa a cor ideológica do ocupando do poder, todos chegam a ele com promessas de redenção, de refundar o país, de começar tudo de novo, de alçar ao primeiro mundo, de acabar com isso ou aquilo e saem deixando o país uma terra arrasada.
Hoje nossa sociedade está doente. Ela adora o Estado, e espera tudo dele. Sonha com um líder que possa ser diferente e esquece de se organizar, de formar o seu próprio poder e enfrentar o poder que ela mesma dá aos políticos. Só conquistando poder é que a sociedade conseguirá romper esse círculo vicioso de esperança e desilusão e, a partir daí, ir, com liberdade, construindo uma ponte permanente entre pobres e ricos, criando uma terra de oportunidades e não de eternas promessas.

Setembro/2007

O QUE É UMA SOCIEDADE TUTELADA

Abel Aquino


Para uma pessoa observadora é fácil perceber que nosso povo vê os problemas econômicos e políticos do país como problemas exclusivos do governo e só Ele pode resolver. Dessa forma, nossas mazelas são heranças acumuladas por sucessivos maus governantes. O povo considera-se inteiramente inocente. O máximo que se admite é a cumplicidade da elite, sempre para o mal, obviamente.
O povo é passivo, vive de esperança; acredita que tudo vai mudar no dia em que tivermos um bom Presidente. Espera e sonha com o surgimento do grande político, do verdadeiro Messias.
Podemos dizer até que, historicamente, somos uma nação essencialmente infantil, desconjuntada e covarde. Essa insegurança gera o medo dos estrangeiros, medo das multinacionais, medo das leis do mercado, medo do imperialismo, medo misturado com ódios e queixas. Na ausência do Estado, a sociedade enrola-se sobre si mesma. O estado é o muro das lamentações, onde desfiamos todas os nossos recalques e neuroses, misturando lágrimas e revoltas pelo desamparo de vivermos sem um governo decente.
Nossos políticos adoram criar leis protetoras ou pseudo-protetoras do povo, tais como tabelamento de preços, estatuto disso, estatuto daquilo, códigos de defesa desse ou daquele, leis de proteção do operário contra o patrão, do pobre contra o rico, do consumidor contra o comerciante, do negro contra os brancos, mas o povo continua com medo. Os legisladores incansavelmente vão produzindo leis, regulamentos, normas, restrições, órgãos patrulhadores, secretarias fiscalizadoras e o povo continua angustiado; sente-se vítima de tudo e de todos.
Ao longo de nossa história o Estado só foi crescendo, até se tornar um monstro imenso e disforme. Seu peso e tamanho passou a oprimir todo mundo. Na tentativa de proteger e zelar por todos, o governo amordaçou, enjaulou o povo, impedindo-o de amadurecer, de criar bom senso e de se tornar adulto.
São milhares de autarquias e órgãos burocráticos que a sociedade ingênua aceita para cuidar de tudo, para se responsabilizar por tudo, órgãos entulhados de funcionários públicos, encastelados na estabilidade perpétua, com mordomias, protegidos por apadrinhamentos e cercados de privilégios. Por fim essas instituições passam a ter vida própria, leviatãs indomáveis; isolam-se dos que deviam beneficiar e sugam montanhas de dinheiro.
Mesmo assim é difícil convencer o povo de que esse gigantismo impede o progresso, cria grandes setores fechados e privilegiados, corporativamente avessos a qualquer tipo de mudança que ameace a perpetuação de seus “direitos adquiridos”
Dessa forma o trabalho orgânico fica desestimulado; o empreendimento empresarial fica refém da imensa burocracia, fica atado aos excessos de regulamentações e controles que apenas geram propinas. A energia do progresso dissipa-se e uma boa parte da população começa a sonhar com a ajudinha do governo, com a renda sem esforço. A sociedade termina metendo-se num beco sem saída, perpetuando a miséria dos que não conseguiram uma teta governamental para mamar.

VOCÊ SABE PORQUE O VOTO É OBRIGATÓRIO?

Abel Aquino

Os políticos que defendem o voto obrigatório tem uma visão de que o povo não gostam de votar, não dá valor ao voto.

E eles estão absolutamente certos!

Claro que o povo tem conciência de que o voto não muda nada, não representa nada para ele como participação política. Portanto, se pudesse, não perderia tempo em votar, iria fazer outra coisa mais proveitosa.
O meu voto – e o seu também - representa um fração tão ínfima de decisão que posso considerar que não tem nenhuma importância prática, ou seja meu voto não influi nada na escolha de nossos dirigentes. Essa diluição do poder do voto faz com que sejam niveladas todas as decisões, tanto daquele que analisa as qualidades de seu candidato e tenta votar no melhor para o povo quanto daquele que voto por mera obrigação. Essa é a realidade: voto consciente ou voto indiferente dá no mesmo.
Se quizéssemos mudar alguma coisa para melhor, em nossa sociedade, tereíamos, primeiramente, de mudar todos os políticos.
Qualquer cidadão sério sabe que o voto em nossa torta democracia é uma loteria, porque votamos em fulano ou beltrano, numa decisão baseada em detalhes ocasionais, táis como o sorriso do fulano, o jeito de pentear o cabelo, a convicção com que afirma suas promessas, e não nos chega quase nada de real e concreto do tal fulano.
Escolhemos nosso candidato, votamos e afastamos da urna angustiados, torcendo para que depois não fiquemos arrependidos da escolha que fizemos.
A Justiça Eleitoral acaba piorando as coisas ainda mais, na medida em que, preocupada em dar condições de igualdade de propaganda para cada político, proibe, por exemplo, que algum veículo de comunicação divulgue, em periodo eleitoral fatos escusos do político.
O candidato, durante o período eleitoral, tem o monopólio da informação sobre si mesmo.
Não é uma aberração isso?
Logo quando o eleitor mais precisa de informação sobre o caráter daquele em quem vai votar é que não pode buscá-la.
O eleitor não vai conseguir ter dados sobre o lado oculto da biografia do candidato. É tudo o que o picareta precisa para vender uma imagem maquiada ao eleitor e com isso se eleger.
Nosso modelo político é feito sobre medida para a proliferação de inescrupulosos e de indivíduos com passado, no mínimo, suspeito.

Agora, do ponto de vista do político o voto obrigatório tem outra “nobre” função.

Dá carta branca, legitima sua atuação como “representante do povo”. Ser eleito é alcançar o “poder”, o que é a mesma coisa que se afastar do povo, elevar-se a um estágio superior. Lá de cima, ele se convence de que sabe o que é melhor para o povo.
Depois de eleito, acha o povão desagradável.
Em função da próxima eleição, não considera as pessoas como cidadãs mas sim como clientela eleitoral apenas. Para isso atua no imediatismo, na defesa de benefícios diretos e fáceis para determinados segmentos que podem influir na sua reeleição, mesmo que, com isso, comprometa o futura da sociedade.
Como a vontade do povo é uma vontade abstrata, imprecisa, prefere ele acreditar que é a própria vontade do povo. A vontade do povo sou eu, seu subconsciente afirma, portanto tudo que eu fizer é a vontade do povo.
Nossos partidos, sem exceção, são formados por bandos, sem nenhum principio ético , na verdade sem princípio algum a não ser o de chegar de qualquer forma ao “poder”.

E quando chegam ao “poder” ocupam toda a máquina estatal como se fosse sua Casa Grande, dá emprego para toda a família e arruma centenas, às vezes milhares de cabides, chamados de “cargos de confiança”, para seus partidários e apaniguados, todos imbuídos da mais santa vontade de usufruir pelo maior tempo possível das benesses governamentais.

E, para nosso desespero, os partidos da “oposição” sonham com a mesma oportunidade.

Para que o voto deixasse de ser obrigatório os políticos teriam de mudar de comportamento.
E isso eles não querem.
Teriam que criar mecanismo que garantisse mais poder ao eleitor.
Enquanto o eleitor for votar apenas para cumprir uma obrigação legal, votará sempre desanimado e desmotivado.
E isso é bom para os políticos.
Nada melhor para o político que eleitores desencantados. Esses eleitores elegem o político e o deixam em paz. Não vão perturbá-lo dizendo o que ele tem de fazer ou deixar de fazer.

QUE DEMOCRACIA É ESSA?

Você já percebeu que somos obrigados a votar para que nosso país seja considerado uma “Democracia”, não é verdade?.
Mas já pensou o quanto é absurda essa afirmação?
No entanto é exatamente o tipo de “Democracia” que temos.
Acredita nisso? Somos uma “Democracia” obrigatória.
E para piorar mais ainda as coisas ouvimos “slogans” tais como votar é um “dever cívico”, é “ato patriótico” e aí por diante.

Na verdade, e para resumir, podemos considerar que a chamada “democracia brasileira” não passa de alternância pacífica de poder. Deixando cuidadosamente o povo de fora do exercício cotidiano de qualquer ato político, sobra para a sociedade somente o dever de legitimar essa alternância de poder, e isso ela faz pelo voto.
Portanto o mérito da democracia brasileira foi o de garantir a transição pacífica de poder entre grupos, sem grandes traumas, sem golpes fardados e coisas assemelhadas, bastante comum em outras épocas.

A HISTÓRIA DO PÃO

Abel Aquino

Naquele dia o professor entrou na sala de aula com um pão de forma na mão - daqueles que vem com uma bonita embalagem e já fatiado - e o colocou sobre sua mesa. Os alunos olharam para o pão e todos ficaram com expressão de espanto e curiosidade no rosto.
O professor, calmamente, tirou seu casaco, colocou-o sobre o encosto da cadeira e olhou para os estudantes.
- Porque estão com essa cara de espanto?
- Para quê esse pão aí? Ouvia uma meia dúzia de vozes, perguntando simultaneamente.
- Bem, é que eu quero descobrir com vocês a história desse pão que comprei no supermercado.
- A história? - Repetiram incrédulos.
- Sim...
- Mas pão tem história? - Insistiram.
- Claro! Como é que ele veio até aqui, como ele nasceu, como foi feito e de que foi feito.... isso não é uma história? - Concluiu o professor olhando para seus alunos.
- Ricardinho, venha até aqui e conte a história desse pão para nós.
- Eu, professor!? - Perguntou Ricardo assustado.
- Sim, você mesmo....
- Mas eu não sei nada dessa história de pão, não.
- Como não sabe. O pão é feito de quê?
- De farinha de trigo, respondeu Ricardo e mais uns dois outros alunos.
- Pois bem, e o trigo é feito de quê?
- O trigo? - Gaguejou Ricardo.
- Nasce da terra, - gritou Fernando, lá do fundo da sala de aula.
- È! - em parte é verdade que veio da terra. Mas na realidade o trigo veio de outro trigo, que é a semente - continuou o professor.
- A história é que o agricultor comprou a semente, arou a terra, esperou a chuva cair, semeou o grão de trigo, esperou germinar, crescer, a chuva cair de novo e na hora certa, amadurecer e então colheu e o vendeu ao cerealista. O cerealista vendeu-o ao moinho. O moinho descascou e moeu o trigo e o vendeu ao padeiro. O padeiro pegou a farinha de trigo, colocou o fermento, a gordura, acrescentou água e amassou a farinha, colocou-a na forma e levo-a ao forno. Do forno, o pão foi retirado, embalado e distribuídos para as padarias e supermercados. Da prateleira, eu o peguei, passei no caixa, paguei três reais, que era seu preço, e vim para a escola.
- Essa é a história do pão, conclui o professor.
-
Os alunos permaneciam olhando para o professor sem entender muito bem aonde ele queria chegar.
- Fernando, o que motivou o lavrador a plantar trigo para colher e vender ao cerealista e esse, por sua vez vendesse ao dono do moinho e que esse tivesse trigo para descascar e moer e fornecer ao padeiro para que o padeiro pudesse fazer o pão e eu fosse encontrar-lo embaladinho na gôndola da padaria e com isso conseguisse tomar o meu café da manhã?
- O que motivou? – Fernando não entendeu.
- Sim, o que o motivou! Foi uma lei do governo que o obrigou a plantar trigo? Foi a religião? Foi por bondade para que eu tivesse o meu pão todo dia?
- Bem, sei lá..... queria ganhar dinheiro, eu acho.
- Exatamente. Ele pensou no dinheiro. O que o moveu foi uma espécie de egoismo, não é verdade?
- Sim, responderam a maioria dos alunos.
- Pois bem, como é possível uma cidade como São Paulo, que tem mais de 10 milhões de pessoas, ter supermercados, padarias e outros tipos de comércios, oferecendo todo tipo de alimento imaginável a essas mais de 10 milhões de pessoas todos os dias do ano...? - como isso é possível? Os alunos permaneceram em silêncio total, esperando a resposta do próprio professor.
- Isso só é possível porque existe o mercado, isso é a liberdade das pessoas de produzirem, comprarem e venderem todo tipo de mercadorias umas para as outras. Não existe nenhum decreto do governo obrigando os produtores, os agricultores e os fabricantes a abastecerem São Paulo para que as pessoas possam obter o que precisam. - Como isso é possível?
- Professor? - eu entendi - Márcia levantou e explicou:
- Professor, eu já li sobre isso; se há liberdade, onde existe uma necessidade há uma oportunidade. As pessoas precisam de coisas, comida, utensílios, móveis, uns precisam produzir móveis e obter dinheiro para comprar comida enquanto outros produzem comida e ter dinheiro para comprar móveis... não é mais ou menos assim?... concluiu Márcia.
- Meus parabéns, Márcia! Você entendeu perfeitamente. Portanto, como podem ver, muitas pessoas participaram da fabricação desse pão. Aliás, essa é uma cadeia sem fim; se imaginarmos que tudo começou com o lavrador plantando o trigo, podemos perguntar: e a semente? A semente foi comprado do fornecedor de sementes, que por sua vez teve que preparar a terra, plantar o trigo, colher beneficiar e recolher a semente para poder vender ao distribuidor de sementes e dessa forma a semente chegou ao lavrador de nossa história. Mas quem forneceu a semente ao lavrador que plantou sua lavoura de trigo para colher semente para vender? Na verdade a história nunca acaba. Podemos retroceder no tempo até aos primórdios da descoberta dessa gramínia lá no campo. Sim, o trigo é uma espécie de grama, por incrível que pareça.
- Mas a pergunta que quero fazer é: como é possível haver sempre pão na padaria e no supermercado e no entanto não existe nenhum decreto governamental obrigando as pessoas a fabricarem o pão? .......são tantas as pessoas envolvidas e no entanto elas nem se conhecem, elas não se reúnem para combinar como manter a padaria e o supermercado constantemente abastecidos de farinha de trigo, a matéria prima do pão. Se começarmos pelo produtor de semente, chegamos ao distribuidor, ao lavrador, ao dono do moinho que compra o trigo e o transforma em farinha, ao comprador da farinha que a distribui às padarias e aos fabricantes de pão de forma, chegamos a conclusão que essa é uma cadeia extremamente complexa e no entanto funciona quase sem falhas, - a não ser por eventuais problemas climáticos ou interferências governamentais quase sempre danosas -, repito, funciona quase sem falhas e incrivelmente sem comando de governo algum. E quantos empregos essa maravilhosa cadeia de eventos propicia? O benefício não é só meu ou seu na medida em que podermos comer nosso pão com manteiga toda manhã. O benefício se espalha ao longo das várias fases da produção e comercialização, gerando trabalho para muitos operários, criando comércios de tratores, de máquinas agrícolas, atividades para os moinhos industriais, veículos de transportes, galpões de armazenamentos, etc, etc.
- Agora, voltando ao início, pergunto: como chamamos a essa cadeia de produção e comércio que leva a ter pãozinho todo dia na padaria?
- Mercado, respondeu Pedro rapidamente.
- Perfeitamente, Pedro.
- Mas o que é que está a cargo do Governo e não do mercado? - Alguém pode responder?
- A segurança! Gritou Aldo, levantando os braços.
- É uma delas.... quais outras?
- A saúde, arriscou Márcia.
- Perfeitamente. O governo, incluindo o municipal, o estadual e o federal, é responsável pela segurança, pelo atendimento de saúde aos mais pobres, por fornecer educação gratuita, pelo asfalto da rua, pela luz pública. E ele é eficiente nisso?
- Não, quase todos responderam.
- Pois bem, essa é a grande diferença entre as atividades feitas pelas pessoas particulares com o intuito de obter renda e as atividades obrigatórias do Estado que não possui motivação clara ou bem definida.
- Mas agora pergunto: por quê esse tal de Mercado é tão xingado e endemoniado por determinadas ideologias? - Alguém pode responder?
Todos permaneceram calados, pensativos.
- Bem, concluiu o professor, esse assunto é uma outra longa história que iremos tratar na próxima aula. A aula está encerrada; tenham todos uma boa noite!.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O DRAMA DA PALMEIRA JUÇARA



A Mais Bela Palmeira da Mata Atlântica


Abel Aquino


Na época do descobrimento do Brasil, a palmeira Juçara, também conhecida por palmito doce, povoava toda a mata atlântica, desde o sul da Bahia até a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, indo pelo interior de São Paulo e do Mato Grosso do Sul.
O palmito dessa palmeira era muito apreciado pelo índios e com a chegado do homem europeu a derrubada da palmeira cresceu assustadoramente. No principio não havia comércio significativo do palmito; as pessoas colhiam para consumo próprio ou para venda em pequena escala.
Mas dos anos 60 para cá o comércio do palmito ampliou-se tremendamente; surgiram grandes indústrias exportadoras e por consequência a majestosa palmeira foi desaparecendo da paisagem. Toda a mata atlântica perdeu significativa parte de sua floresta: acima de 90% do que existia na época do descobrimento. Entretanto a palmeira Juçara perdeu mais, muito mais.
Hoje, a mata atlântica está praticamente órfã da sua mais imponente palmeira, sendo vista apenas nos parques estaduais, nas grotas inacessíveis de regiões montanhosas e em alguns jardins de cidades, onde se a usa para fins ornamentais.


O PAPEL ECOLÓGICO DA PALMEIRA

O quase desaparecimento da palmeira juçara provocou, por consequência, uma alteração drástica na vida da floresta.
Na mata era espécie chave, de grande importância para a sobrevivência de muitos animais e aves. É uma palmeira extremamente produtiva, com longo período de frutificação que vai de Janeiro a fim de junho. Os frutos alimentam macacos, tucanos, papaguaios e araras.As aves e os animais comem a polpa, deixam a semente e com isso fazem a dispersão natural de novas mudas pela floresta.


A PROIBIÇÃO

A partir de 1965, com a criação do chamado "Código Florestal", a lei 4.775, iniciou-se a tentativa de coibir o corte indiscriminado da Juçara. No início, tentou-se proteger a mata atlântica como um todo. A constituição de 88, a lei 7.803/89, e principalmente o decreto 750/93, caminharam nessa direção, sem contar as resoluções e atos dos diferentes órgãos do governo, tanto Federal quanto estadual. Mas ainda hoje as organizações não governamentais clamam por leis mais específicas para a proteção da mata atlântica e principalmente da Juçara.
A organização SOS MATA ATLÂNTICA vem liderando uma campanha para aprovação de leis mais duras nesse sentido.
Mas como a lei por si só não protege nada. A sorte da palmeira Juçara está entregue à capacidade de fiscalização do poder público. Com frequência os jornais noticiam a ocorrência de corte e venda clandestina do palmito.
E há conflitos armados entre a polícia florestal e os chamados palmiteiros que embrenham pelas matas a procura da palmeira, ficando alí por até três dias, cortando e ajuntando os palmitos em feixes que levam para serem vendidos em restaurantes ou na beira da estrada como é comum de se ver quando o paulistano viaja para o litoral. Muitas vezes eles montam rancho no meio da mata, fazem fogueira, cozinham o palmito e o colocam nos vidros, usando a água do rio mais próximo, sem o mínimo de higiene.
Ultimamente os palmiteiros, já não encontrando mais a palmeiras com facilidade, estão invadindo as reservas florestais para colher o palmito, como o Parque Estadual Intervales, O Parque Carlos Botelhos, o Petar e o parque de Itatiaia, desafiando os guardas florestais dessas regiões. No parque Intervales, um palmiteiro foi morte após enfrentar o guarda que tentava prendê-lo.


No município de Juquitiba, SP, em 2001, uma família foi presa por manter industria clandestina de beneficiamento do palmito.
Boa parte do palmito juçara vendido nos pequenos mercados e mercearias é de origem clandestina, com rótulos falsificados ou mesmo sem rótulos identificadores.



TRABALHO EDUCATIVO

Na realidade, essa guerra contra o palmiteiro, contra a extração clandestina, revela uma opção do poder público pela proibição e pela repressão, sem um mínimo projeto educativo de opoio. A visão autoritária de nossos políticos, travestidos de legisladores sem bom senso, evidente em outras áreas, revela-se, da mesma forma, nas questões ambientais. Se temos problemas em algum setor qualquer da atividade humana, os políticos se movem imediatamente para formas de repressão, castigos ou, na melhor das hipóteses, para formas burocráticas de providências. Raramente se fala em meios educativas de solucionar o problema. No caso da tentativa de proteger a palmeria Juçara, foi estarrecedor como os tradicionais palmiteiros ficaram sabendo que, de hora para outra, haviam se transformados em criminosos, violadores da lei. Muitos desses eram pais de família, sustentando suas crianças com a extração e venda do palmito e, de repente, se viram ameaçados de prisão. É claro que, pela repressão, se coibe até certo ponto a extração, mas transforma aqueles que não conseguem achar alternativas de renda ou que se revelam mais corajosos para afrontar a nova lei, em bandidos o que é, sob quaisquer critérios, um absurdo. Um processo educativo traria resultados mais lentos e de médio ou mesmo longo prazo, mas teria condição de estabecer um processo virtuoso de cultivo, extração e venda, com resultados permanentes. A palmeira juçara não estava sériamente ameaçada de extinção como se apregoou. Ela se reproduz de maneira extramamente fácil. Cada cacho costuma ter até 500 coquinhos e basta lança-los ao solo que 90% deles nascem. As entidades ambientalistas, da mesma forma que os políticos, correm atrás de defender formas repressoras de proibição da extração, em total desprezo pelo ser humano que porventura fique prejudicado ou tolhido por essas soluções arbitrárias. O resultado é que, sem um mínimo de atividade educativa das comunidades próximas a floresta, a extração não foi extinta, ficou invisível. Quem anda na mata vê os troncos caidos, os tocos mortos mas ninguém viu quem foi que fez aquilo.
A palmeira continua lentamente a ser derrubada.


PALMITO DE OUTRAS PALMEIRAS

Praticamente toda palmeira produz algum tipo de palmito, mas as principais e que possuem algum valor econômico são: "açaí", "pupunha", "palmeira real australiana" , "babaçu", “bacuri” e até a "guariroba", que dá um palmito amargo, muito apreciado no estado de Goiás.
A palmeira açaí é cultivada quase que exclusivamente no estado do Pará. Já a pupunha está sendo implantada em vários estados do país, como no Espírito Santo e no interior do estado de São Paulo.
Essas duas palmeiras são de clima quente e não toleram geada. Já a palmeira real da Austrália é cultivada principalmente no estado de Santa Catarina, pois resiste bem ao frio.
Alguns fazendeiros já cultivam a Juçara para produção de palmito. Mas seu ciclo de crescimento é lento e precisa de 8 a 10 anos para atingir o tamanho de corte e exige sombra nos 4 primeiros anos de vida, ou seja, ela só se desenvolve bem dentro de matas. A palmeira real e principalmente a pupunha são extremamente precoces, produzem palmito com 3 ou 4 anos de idade sob a direta luz do sol e podem ser cultivadas em forma de lavoura.
Todas essas alternativas provam que é possível acabar com o extrativismo predador sem acabar com o vidro de palmito na prateleira do mercado ou na mesa do consumidor. O manejo sustentável, o cultivo intensivo, as várias opções de paladar poderão enriquecer, de forma permanente, o prato do povo com essa iguaria tão saborosa. Mesmo que se insista em produzir o palmito juçara que, sem dúvida, é o mais refinado, basta deixar algumas dezenas de matrizes por hectare para que essa palmeira se perpetua, pois sua reprodução é fácil. Cada matriz produz até 1000 mil frutos por ano e os animais e aves, principalmente o esquilo, espalham por distâncias de centenas de metros. A própria lei prevê esse recurso, chamado de “ manejo sustentável”.
Portanto, podemos prever uma nova era para o cultivo do palmito, uma boa variedade de sabor, talvez até queda no preço e, o que é mais importante, a introdução definitiva da palmeira como um produto a mais da modernamente chamada “agroindústria”, incluindo aí o respeito a natureza, a preservação e o aperfeiçoamento do cultivo de tão nobre alimento.
O que dificulta a solução do problema é a absurda burocracia. Quem pensar em produzir palmito juçara, sem agredir o meio ambiente, mesmo que tenho toda a consciência de preservação do mundo, enfrentará o gigantesco cipoal de leis, normas, portarias e regulamentações, e ainda precisará estar munido da paciência de jó para conseguir alguma coisa.
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Primeira versão: julho 2002
Segunda: dezembro 2005
Terceira: agosto 2007