terça-feira, 31 de março de 2009

PENSANDO COM O MARTELO

Abel Aquino

A sociedade é replicadora de si mesma. As novas gerações se formam por acomodação e as virtudes e defeitos são repassados de pais para filhos da mesma forma com que transmitem os gens e as caracteristicas físicas. A cultura de um povo é nada mais que ritos, costumes, crenças e comportamentos programados e reprogramados ao longo das sucessivas gerações. Isso dá estabilidade, dá segurança e auxilia na manutenção da ordem social e da cooperação entre os membros da sociedade.
Mas quando há uma mudança brusca nos aspectos externos dessa sociedade – um avanço tecnológico, por exemplo – a sociedade se desestrutura. Daí nascem os conflitos, as crises existenciais, as neuroses individuais e os desajustamentos nas relações entre membros. A sociedade como um todo entra em crise.
Uma atitude individual iconoclasta, destruidora de ídolos, no sentido Nietzscheniano, possibilita quebrar essa rigidez dos costumes e crenças e facilita a adaptação às mudanças, típicas de nosso mundo moderno.
O iconoclasta questiona o papel das crenças, dos valores morais, dos rituais coletivos e das formas repressoras de enquadramento do indivíduo. É a busca de libertação mental e corporal pelo pensamento questionador.
No início, talvez, fique contra os causadores das mudanças. Depois, continuando a exercitar sua liberdade de pensamento, começa a ver que o problema está, na realidade, na rigidez da textura social, na luta pela permanência de crenças e valores num mundo em rápida transformação. Nesse momento o iconoclasta coloca-se contra os costumes, contra a tradição. Nesse ponto fica mais perto de romper as amarras que o prendem à tradição e consegue, então, torna-se rebelde. A rebeldia é um estagio fundamental para o individuo poder abstrair-se do meio social onde cresceu e pelo qual foi moldado e adquirir a capacidade de analisar as várias formas de rupturas que precisa fazer. O rebelde quebra a coesão da sociedade, torna-se anti e começa a escapar da força centrípeta que o impede de libertar-se.
O próximo passo é encontrar todas essas forças da sociedade incrustadas no mais profundo do seu ser, tornadas, na verdade, partes constitutivas de si mesmo. Agora precisa arrancar essas crenças, essas formas de padronização de pensamentos, essas correntes que o prendem ao pai, à mãe, à familia maior, ao professor, ao padre, ao pastor, ao mestre ou aos políticos.
Muitas pessoas ficam no primeiro estágio e passam a vida combatendo a modernidade, o progresso cientifico e tecnológico.
Muitos outros ficam no estágio de rebeldia, de desobediência civil permanente e tornam-se antissociais e misantropos.
Mas os que não temem o pensamento livre vão em frente; estudam a sociedade, analisam seus fetiches, mergulham-se em leituras de antigos filósofos, religiões exóticas, culturas diferentes. Chega a um ponto em que o rebelde começa a romper as amarras da tradição e do conformismo e caminha para novas indagações, renova sua curiosidade, encontra outros desafios a serem enfrentados. Nessa caminhada uma vida é pouco.
Mas na medida em que vai conhecendo e ampliando sua consciência, vai reconciliando-se, aos poucos, com a sociedade, já numa outra dimensão, liberto, acima dos conflitos que endoidecem os comuns dos mortais. Agora esse antigo rebelde compreende e sorri.
No dia em que conseguir sorrir das loucuras do mundo, sem se sentir cúmplice, atingirá mais um novo degrau rumo a sabedoria de viver.
Toma consciência de que a revolução da sociedade começa com a revolução dentro de si mesmo, que o individuo evolui enquanto interage com os outros, trabalha, conversas, debate e critica os seus semelhantes dentro do universo de suas relações. Sua postura rebelde vai ser acompanhada, de certa maneira, pela sociedade. Esta vai tentar enquadra-lo, tentará dobrar a sua espinha, quebrar as suas pernas. Nada será fácil, compreende-se; sua personalidade representará uma nota dissonante no seio da unanimidade social.
Mas o objetivo do rebelde é quebrar os ídolos, romper as barragens da tradição, desmantelar as hierarquias desniveladoras, talvez , num primeiro momento, numa batalha dentro de sua alma, no interior da mente condicionada, e, num segundo instante, irradianto-se à sociedade, enfrentando-a como quem desafia uma besta selvagem. Todo conhecimento adquirido será de absoluta importância nesse momento; suas leituras de antigos pensadores, de livros sagrados e nem tão sagrados, de testemunhos da vida, das conversas com Sócrates, com Buda, com Nietzsche, com Thoreau, com grandes filósofos e com insignificantes vagabundos do pensamento, todos serão decisivos nessa hora. O rebelde estará à par dos avanços das ciências, da psicologia, da sociologia, da antropologia e até da química, da física, da eletrônica e com o que mais lhe cair nas mãos. Tudo será processado em seu fenomenal cérebro. O caminho será longo, talvez, sem fim, mas também sem volta.
A liberdade é uma busca que vai crescendo, ampliando os horizontes, abrindo porteiras, subindo e descendo montanhas, cujo desfecho serão os anos de vida de cada um.

terça-feira, 10 de março de 2009

DE CONVICÇÕES E QUESTIONAMENTOS

DE CONVIÇÕES E QUESTIONAMENTOS

Abel Aquino

Quando você vai construir uma casa, com raras exceções as paredes são levantadas no prumo e no nível; por que?
Porque ao alinhar o centro de gravidade da parede verticalmente, esta corre o menor perigo de desabar. Se você construir a parede inclinada, afastando o centro de gravidade, ela tende a pesar para um lado e fatalmente cairá se não for construida de forma a suportar esse desequilíbrio.
Mesmo que o pedreiro não entenda nada sobre a lei da gravidade, ela sabe que uma parede no prumo é mais estável.
Agora quando falamos da construção de nossas idéias, uma convicção pode ser formada sem obedecer às leis da física. Essa convicção pode não considerar a lei da gravidade e nada acontece, mas quando você vai agir em função dessa convicção, formada sabe lá como, os resultados podem ser terríveis. S e no caso for a convicção de que a lei de gravidade não existe e o sujeito pula de um barranco a consequência será trágica.
Esse exemplo serve apenas para ilustrar como são perigosas as convicções baseadas em crenças, como a fé por exemplo, ou em tradição e costumes.
A convicção se estabelece em nossa mente através de uma falta de dúvida, ou seja pelo princípio da fé, o que quer dizer do acreditar, sem questionamento. E isso também quer dizer que você está recebendo conhecimento de segunda mão, está subordinando sua inteligência a outra pessoa, mesmo quando essa pessoa seja o padre que diz que você deve ter fé na bíblia, não nele. Essa é uma forma de mascarar o relacionamento de subordinação que você está aceitando.
Mas se nossas convicções baseadas em crenças são perigosas e enganadoras como faço para ter convicções sem correr o risco de estar errado. Existe a lei do mal-humor por exemplo, como a lei da gravidade, evidente por si mesma?
Claro que não existe.
A ciência do humano está ainda engatinhando, embora já tenhamos mais de dois mil anos de registros de tentativas das mais variadas formas.
Então como vou proceder?
Existe uma regrinha que é a seguinte: fazer exatamente o que os religiosos proíbem. Duvidar e questionar tudo. Quando tenho que agir e preciso de me orientar para fazer escolhas, consulto meu banco de experiências, meus livros de filosofia preferidos e ajo da forma que acho mais adequada.
Depois fico observando as consequências e se percebo que não era aquilo que esperava, guardo isso como lição para enriquecer meu banco de experiências e ter mais dados para tomada de outras decisões similares no futuro.
O interessante é que as pessoas de um modo geral fazem exatamente isso, só que de forma inconscientes, desde que elas não estejam atadas por religiões ou ideologias. Quanto maior o grau de liberdade que a pessoa tem ao pensar, duvidar e questionar, maior é a possibilidade de aprender com a experiência. A vantagem de fazer isso de forma consciente é que a gente tem mais chance de improvisar, de antecipar, ou seja de simular a ação e com isso ajudar na hora de tomar decisões práticas
Por exemplo: se um jovem solteiro decide casar com a mulher que acredita amar, pode fazer uma avaliação das vantagens e desvantagens do casamento, do que deve abrir mão e de como será preciso agir para conviver com uma mulher, antes estranha. Os questionamentos e avaliações serão infinitos, incluindo o momento presente da crise da forma tradicional de casamento, da perda da liberdade que o solteiro tem, etc. Ou seja, ele poderá fazer milhares e milhares de perguntas, ter milhares de respostas e alternativas, muitos prós e muitos contras. E, se no final decidir casar, terá uma imensa consciência do que vai enfrentar.
Vai dar certo? Ela também avaliou suas condições como ele fez?
O importante é que na hora do casamento ele terá uma hiper-consciência do que está fazendo, dos riscos que vai enfrentar, com, talvez, mais medo do que o normal, mas com certeza, mais preparado para enfrentar a vida de casado.