Nossa civilização tomou um rumo que leva as relações
humanas a se segmentarem de tal maneira que desapareceu aquele momento de
comunhão social caracterizado pela exposição completa das pessoas em contato
mútuo umas com as outras. Nas relações comerciais interessa ao comerciante o
que eu quero comprar e quanto dinheiro tenho, nas relações profissionais,
interessa ao patrão quanto de conhecimento e habilidade posso fornecer e ao
empregado, interessa quanto o patrão pode pagar e por quanto tempo deseja
empregá-lo; ao médico, interessa saber se o paciente tem recursos financeiros
para pagar a consulta e o tratamento, ao advogado, interessa saber se o cliente
terá condição de pagar seus honorários, todos eles reduzindo a pessoa humana ao
limite desses seus interesses. Não sei se já houve uma época em que as pessoas
construíam relações mais completas umas com as outras, mas é possível
constatar, pelos relatos antropológicos, que tribos isoladas do mundo moderno
vêem seus membros e relacionam entre si de forma completamente holística.
Não desejo defender uma antiga idade do ouro das
relações humanas, porém, vejo que posso imaginar, sem cair em embaraços, que a
modernidade da civilização humana ganhou muitos recursos e possibilidades
incrivelmente úteis e benéficas, só que perdendo as vantagens e facilidades que
tinha no passado. Quanta coisa boa perdeu do modo de vida mais primitivo, mais
sob domínio dos elementos naturais, é coisa para muita análise e reflexões. Pode
ser extremamente difícil levantar essas perdas e muito mais fácil enumerar as
vantagens da vida moderna, mas posso desconfiar que, a melhor parte da vida humana perdeu-se no
impacto da revolução tecnológica que nos afastou da influencia das forças
naturais e nos aprisionou ao mundo dos objetos mediadores das relações e aos
recursos inventados para facilitar a vida. A quantidade enorme de meios de
comunicação entre as pessoas, telefone com fio, telefone sem fio, rádio,
televisão, rede de computadores é impressionante e, no entanto, não se constata
melhorias na capacidade de compreensão humana. Quanto mais as pessoas se falam
mais se desentendem. Quanta facilidade para se contatar alguém, para manter as
pessoas entre si conectadas e, no entanto, sobe à estratosfera os conflitos
humanos, os queixumes de uns contras os outros!
Escrevo tudo isso, não para defender uma espécie de
volta a natureza ou para lutar pela construção de outra civilização utópica
anti-tecnológica, mas, sim, para tentar fazer uma balanço de nosso atual modo
de vida. As mudanças constantes e em ritmo cada vez mais acelerado que acometem
nossa civilização alcançou tal vertiginosa velocidade que não temos tempo de
filtrar o que chega de bom e benéfico, do que surge para piorar ou até mesmo
por em risco nossa sociedade.
Abandonamos outros modos de vida e abraçamos as geringonças e recursos
modernos como se estivéssemos caminhando rumo ao paraíso e, contraditoriamente,
mais e mais mergulhamos num mundo perigoso, autodestrutivo e inumano.
As pessoas que surgem para
denunciar o progresso e brigar pela preservação da natureza acabam passando por
cimo dos pontos mais críticos de nossa civilização. Percebo que falta a esses
denominados “defensores da natureza” e a suas organizações, um estudo maior da outra natureza, aquela dos instintos e impulsos do ser humano
e, principalmente, ter o cuidado de separar o que tínhamos de bom do passado
que poderíamos preservar e o que podemos
abraçar do que inventamos de benéfico no mundo da tecnologia, da medicina e da
comunicação. Quero dizer que negar absolutamente ou defender absolutamente o
mundo moderno é perder a oportunidade de ampliar a compreensão da natureza
humana e com isso, tornar possível a construção de um futuro melhor para as próximas gerações, incluindo
aí a preservação, talvez melhor dizendo, a convivência com o restante do mundo
natural.