A forma como nascem as
nações pode dizer muito sobre seu povo e sobre o rumo que tomarão ao longo dos séculos. Os Estados Unidos
da América completou sua independência quando consegui uma constituição
federalista, pautada em princípios, na
maioria, opostos ao princípios que embasaram a formação da nacionalidade
brasileira. Um exemplo esclarecedor é o daquela famosa declaração de Alexander
Hamilton, por ocasião da elaboração de sua constituição. Expunha ele a seguinte
questão: Se os homens são capazes de se
dar a si mesmos um bom governo por própria reflexão e escolha, ou se a
Previdência os condenou a receberem eternamente a sua constituição
política da força ou do acaso. Hamilton
queria dizer que os constituintes estavam sob um grande dilema: seria o povo
americano capaz de construir um sistema político aberto, democrático e o mais
consensual possível, esforçando cada um a si mesmo para colaborar na construção
de uma nova sociedade baseada na liberdade individual ou, não sendo capaz
disso, ser obrigada a submeter-se a um governo despótico e autoritário de
poucos sobre os muitos?
Esse dilema jamais
povoou a mente de qualquer constituinte de nenhuma das várias
constituições com as quais se tentou
consolidar a nação brasileira. Aqui, no Brasil, desenvolveu-se uma cultura
baseada no “comando e controle”, representada pela questão de quem pode mandar
e quem deve obedecer. A idéia de liberdade política, de participação do povo na
elaboração da constituição organizadora da sociedade nunca foi cogitada. Para a
mentalidade portuguesa e posteriormente pela da elite brasileira o dilema era
outro: como uma sociedade deve ser comandada. Se por métodos duros ou se por
métodos suáveis. Não havia nenhuma crença na autodeterminação das pessoas, nos
benefícios da liberdade individual ou na livre iniciativa dos indivíduos. A
questão era outra: quem está preparado para mandar e quem está condenado a
obedecer. A cultura brasileira prevalecente era de que uma boa sociedade é
aquela que se constrói com uma elite competente. “Ordem e Progresso” foi o lema
que sintetizou toda essa mentalidade.
Enquanto os
norte-americanos discutiam em 1787 o quanto sua nascente constituição deveria
ceder aos interesses das elites e quanto poderia incorporar das demandas do
povo comum, nossos vários constituintes estavam preocupados em criar um estado
centralizado, apto a organizar a sociedade de determinada ordem e capaz de
manter por tempo indeterminado essa ordem. O dilema era entre métodos e formas
de comandar o povo. A última constituição optou por criar uma constituição
voltada para a proteção de uns contra outros, inspirada na mentalidade de
estado paternal, uma espécie de cunha encravada entre os fortes e os fracos,
entre os ricos e os pobres. Como predomina uma concepção latina, uma visão de
que a sociedade é composto por três elementos, os ricos , os pobres e o estado
e que este último sempre foi o sustentáculo dos ricos para explorar os pobres,
conclui-se que uma boa sociedade seria possível quanto invertesse a ordem, organizando
um estado que protegesse o pobre do rico. Nessa visão, o estado aparece como
elemento neutro, sobre-humano, isento de falhas e sempre correto e justo em
suas ações e imposições.
Enquanto os
constituintes norte-americanos debatiam uma forma de proteger o povo dos
arbítrios do estado, no Brasil se discutia uma forma de colocar o estado entre
o pobre e o rico, ignorando totalmente os perigos de dar poder ao estado e nenhuma
proteção ao povo contra o eventual
abuso desse poder. Acabou que o pobre é obrigado a viver sob o jugo do
estado que se diz seu protetor e sob o jugo das elites poderosas que
seqüestraram o estado para seus interesses. Vivemos numa sociedade que cede ao
estado o monopólio de poder de fazer o bem sem meio algum de impedi-lo de
desviar do caminho e oprimi-lo . Nossa constituição não nos protege contra os
políticos de forma alguma, pois foi elaborada por eles, para servir a eles e
não ao povo. Durante sua elaboração, os constituintes acreditavam piamente que
sabiam, mais que o próprio povo, o que seria bom para ele e imbuídos por
espírito de boas intenções, mantiveram o povo longe do poder
convenientemente.Acreditavam possivelmente: sabemos o que é bom para eles
melhor que eles próprios; para que consultá-los?
Na elaboração da
constituição norte americana, uma ala clamava para que todos ouvissem a voz do
povo e não só as das elites ricas e instruídas, outra defendia a construção de
um estado que protegesse os ricos das revoltas dos pobres, uma terceira buscava
um meio termo entre preservar o interesse dos ricos e proteger os direitos e a
liberdade dos pobres. No fundo, o
entendimento predominante era de que a constituição deveria agradar a todos:
proteger os ricos dos pobres e ao mesmo tempo ceder em boa parte aos interesses
do povo comum, limitando o poder do estado de forma a evitar que fosse dominado
pelos ricos em detrimentos dos pobres nem dominado pelo povo em prejuízo dos
ricos. Predominava a crença no direito natural e na liberdade individual. Como
escreveu Thomas Jefferson: Todo governo, na terra, tem certo traço de
fraqueza humana, certo germe de corrupção e degenerescência que a esperteza
descobrirá e a maldade insensivelmente porá a nu, cultivará e aperfeiçoará.
Todo governo degenera quando confiado somente aos governantes do povo. O
próprio povo é seu único depositário seguro. Acreditava Jefferson que um
governo sobre o povo em vez de um governo do povo, acaba sempre pervertido,
tornando-se um flagelo ao próprio povo que o elegeu.
Nosso pecado original e
fatal, como brasileiros, é acreditar que existe apenas duas formas de
sociedade: aquele que vivem sobre um governo mal e aquele que vive sobre o jugo
de um governo bom. Nunca imaginamos se é possível existir uma sociedade em que
o povo governe a si mesmo, onde cada indivíduo seja tutor de si mesmo e não
tutelado por um estado sujeito a voltar-se contra ele. De certa forma os
constituintes norte americanos cultivavam, com quase unanimidade, uma profunda
desconfiança de qualquer forma estatal centralizada que não aquela que o povo
pudesse domá-la.
Resumindo. Em nossa
concepção é o estado que viabiliza a boa sociedade e não o contrário. Acreditamos
inviável uma sociedade criar um bom estado, limitado em poder, subordinado à sociedade. Na realidade, nosso inferno é não
acreditar nas pessoas comuns, essa convicção de que uma idéia de qualquer homem
culto vale mais que mil idéias da multidão sem estudos. Conservadores e
esquerdista igualmente querem manipular as massas. Os primeiros desejam um povo
obediente e ordeiro, satisfeito com o que são e com o papel que lhe
reservaram exercer. Já os esquerdistas
manipulam o povo para que tornem soldados obedientes de seus projetos de
pilhagem e roubo; fora do poder, o povo seria seu soldado, conquistando poder,
o povo deverá servi-los submisso. 01/07/2016