quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A SOCIEDADE NA REFORMA E NA CONTRA-REFORMA

Para os pais fundadores da nação americana, o ser humano não é confiável e o ser humano investido de poder é menos confiável ainda. Logo, a constituição deles foi criada para proteger o ser humano de outros seres humanos que possuem poderes não disponíveis a todos, ou seja, para proteger os cidadãos dos grupos organizados na forma de estado,  criaram um rol de leis limitantes e reguladoras do poder desses grupos organizados na forma de estado.
Nos países latinos, a concepção da natureza humana era outra. Sempre foi a de que o ser humano individualmente não é confiável, mas os sistemas organizados do alto o são. Portanto, o estado e a igreja são estruturas criadas para superar as imperfeições humanas, são produtos perfeitos aos quais cabe o papel de domesticar e controlar o restante dos seres humanos.
Essas concepções opostas fizeram enormes e fatais diferenças nas organizações sociais que surgiram e se desenvolveram delas.
Nos países latinos existe uma pré-concepção de que o estado existe independente das pessoas e que maus governantes são criaturas perversas que usam o corpo estatal - que é inerentemente bom e  perfeito - de maneira errada. É comum ouvir a expressão de que há um abuso de poder, como se o exercício do poder devesse ser usado sob controle de si mesmo, o que é uma contradição. O poder não existe sem que seja um direito e se concretiza como ato, então como poderia haver abuso de poder? Eu tenho poder de fazer X, mas não posso usá-lo para fazer X, mas só para  fazer até o V? Um completo contra-senso.
Para os pais fundadores da nação americana, o poder é sempre um abuso, mas necessário em determinadas situações, logo é preciso limitá-lo e torná-lo relativo.
A mentalidade latina é diferente. Tem o poder como absoluto e cabe aos indivíduos investidos de poder saber usá-lo. Na verdade é uma visão derivada da religião que tem a crença de que o Rei dos Reis é perfeito e possui o poder absoluto, mas sabe usá-lo sempre para o bem da humanidade.
Na mentalidade da contra-reforma não existe sociedade espontânea. Toda sociedade organizada é um produto do estado. Se a sociedade tem problemas, cabe ao estado resolver esses problemas. Na verdade se a sociedade tem problemas é porque houve descuido ou omissão do estado, pois esse tem o dever e a obrigação de manter a ordem.
 Por falar em ordem, temos a pré e inconsciente concepção de que a ordem social é um produto de uma força externa à sociedade. O estado e a igreja possuem esse papel de órgão organizador.
Para os americanos, na época da independência, havia uma sociedade já organizada em unidades autônomas, que precisava de um centro coordenador para unir essa pluralidade de sociedades. Mas, como não acreditavam num sistema estatal autônomo e clarividente, tiveram o cuidado de criar um órgão centralizador em determinado assuntos e não em todos, relativizando, com isso, o poder do estado a ser constituído.
Nos países latinos nunca houve uma sociedade independentemente organizada; o Estado veio primeiro, e a sociedade depois. A história dessas nações foi construída pela atuação permanente e arbitrária do estado