Para os pais fundadores da nação americana, o ser humano não
é confiável e o ser humano investido de poder é menos confiável ainda. Logo, a
constituição deles foi criada para proteger o ser humano de outros seres
humanos que possuem poderes não disponíveis a todos, ou seja, para proteger os
cidadãos dos grupos organizados na forma de estado, criaram um rol de leis limitantes e
reguladoras do poder desses grupos organizados na forma de estado.
Nos países latinos, a concepção da natureza humana era outra.
Sempre foi a de que o ser humano individualmente não é confiável, mas os
sistemas organizados do alto o são. Portanto, o estado e a igreja são
estruturas criadas para superar as imperfeições humanas, são produtos perfeitos
aos quais cabe o papel de domesticar e controlar o restante dos seres humanos.
Essas concepções opostas fizeram enormes e fatais diferenças
nas organizações sociais que surgiram e se desenvolveram delas.
Nos países latinos existe uma pré-concepção de que o estado
existe independente das pessoas e que maus governantes são criaturas perversas
que usam o corpo estatal - que é inerentemente bom e perfeito - de maneira errada. É comum ouvir a
expressão de que há um abuso de poder, como se o exercício do poder devesse ser
usado sob controle de si mesmo, o que é uma contradição. O poder não existe sem
que seja um direito e se concretiza como ato, então como poderia haver abuso de
poder? Eu tenho poder de fazer X, mas não posso usá-lo para fazer X, mas só
para fazer até o V? Um completo
contra-senso.
Para os pais fundadores da nação americana, o poder é sempre
um abuso, mas necessário em determinadas situações, logo é preciso limitá-lo e
torná-lo relativo.
A mentalidade latina é diferente. Tem o poder como absoluto
e cabe aos indivíduos investidos de poder saber usá-lo. Na verdade é uma visão
derivada da religião que tem a crença de que o Rei dos Reis é perfeito e possui
o poder absoluto, mas sabe usá-lo sempre para o bem da humanidade.
Na mentalidade da contra-reforma não existe sociedade
espontânea. Toda sociedade organizada é um produto do estado. Se a sociedade
tem problemas, cabe ao estado resolver esses problemas. Na verdade se a
sociedade tem problemas é porque houve descuido ou omissão do estado, pois esse
tem o dever e a obrigação de manter a ordem.
Por falar em ordem,
temos a pré e inconsciente concepção de que a ordem social é um produto de uma
força externa à sociedade. O estado e a igreja possuem esse papel de órgão
organizador.
Para os americanos, na época da independência, havia uma
sociedade já organizada em unidades autônomas, que precisava de um centro
coordenador para unir essa pluralidade de sociedades. Mas, como não acreditavam
num sistema estatal autônomo e clarividente, tiveram o cuidado de criar um
órgão centralizador em determinado assuntos e não em todos, relativizando, com
isso, o poder do estado a ser constituído.
Nos países latinos nunca houve uma
sociedade independentemente organizada; o Estado veio primeiro, e a sociedade
depois. A história dessas nações foi construída pela atuação permanente e arbitrária
do estado