Abel Aquino
A região rural do entorno de Santa Cruz de Goiás era bastante montanhosa e os vales pareciam o interior de uma imensa fortaleza. A estrada que eu percorria margeava um estreito rio e, de vez em quando, via enormes construções cercadas por currais de madeira e com bicas d´água jorrando no quintal. Muitas dessas grandes casas estavam vazias, sem moradores. Mas a terra não estava abandonada, pois, da estrada, eu conseguia ver lavouras bem formadas e pastagens verdes dos dois lados.
Pelo que fiquei sabendo, pouca gente queria permanecer no campo. A maioria mudara para a capital, para a grande cidade.
No entanto, Seu Martim teimou em ficar e com ele toda a família. Encontrei-o sentado no degrau da escada da porta da frente de sua modesta casa. Enquanto conversava, suas mãos calejadas dobravam as abas do chapéu encardido, evitando trocar olhares comigo. Falava calmamente e sem grande preocupação.
- Até meu irmão foi embora, dizia. - Sei, continuou, que lá ninguém respeita ninguém; é tudo desconhecido... nem filho obedece pai. - Eu sei disso... concluiu, levantando os olhos rapidamente.
- Querem facilidades lá, argumentei.
- É - tudo é fácil por um lado e difícil pelo outro. Pra estudar é mais fácil e pra aprender coisa que não presta também é, ponderou.
- Você não deixa de ter razão, conclui.
O filho mais velho de Seu Martim devia ter mais de 18 anos e evitava conversar comigo. Era extremamente tímido. Imaginei que a cidade grande não seria realmente um bom lugar para ele viver; difícil se adaptar, adquirir os vícios da cidade.
Mais tarde, já pedalando pela estrada, fiquei pensando comigo:
A vida no campo pode ser monótona e pouca coisa acontece que não seja repetida, dia após dias. Mas a gente tem um bom controle sobre o próprio espaço. Na cidade precisa, a todo instante, manter relacionamentos com desconhecidos, tem que arriscar nas travessias de ruas, na possibilidade de ser assaltado, enganado. e, na maioria das vezes, sem condição de avaliar ameaças e perigos.
A grande cidade é que é uma selva, onde os perigos não são fáceis de avaliar, onde as feras são nossos próprios semelhantes.
Outra coisa que me impressionou, naquela região, foram as tais bicas d´água. Os moradores não faziam poço porque o terreno era muito rochoso. A solução foi construir suas casas próximas dos rios, dos riachos ou de nascentes. Do leito do rio abriam vala, desviando a água do curso e canalizando-a na direção da casa. A vala terminava em uma calha de madeira que elevava a água por um metro e a deixava cair na extremidade, formando a tal bica d´água. Ali podiam colher toda a água necessária, usando gamela, balde ou bacia. As roupas eram lavadas em gamelas ao lado da bica e batidas em prancha de madeira. A noite, a gente dormia ouvindo o barulho daquela água, misturado com o pio da coruja, dos curiango e o coaxar dos sapos.
Era princípio de ano e ainda havia mangas nos pomares abandonados. Parei minha bicicleta, abri a porteira e passei os olhos pela parte externa da casa; havia um enorme quintal e não tinha sinal de gente. Só via folhas forrando o chão e poeira amontoada nas guarnições das janelas fechadas.
As mangas amarelas dependuravam dos galhos da mangueira, entre as folhas. Subi pelo grosso tronco, procurei o galho mais carregado de fruta e fui na direção da extremidade. O ramo começou a vergar sob meu peso. Deitei o corpo, estendi os braços e consegui alcançar uma meia duzia de gordas mangas. Apanhei uma por uma e as joguei ao chão, procurando lançá-las sobre a parte mais coberta de folhas secas para que não se machucassem.
Passei a tarde chupando mangas, sentado ao pé da paineira e observando os esquilos correndo pelos galhos do abacateiro do fundo da casa.