Nós, incrédulos,
que não cultivamos fé em nada a não ser no que é capaz de ser medido,
catalogado, repetido, experimentado, certificado e comprovado, muitas vezes
acreditamos muito no que foi medido, catalogado, repetido, experimentando,
certificado e comprovado, mas tanto que acabamos tão crédulos quando os padres
da Santa Sé. Duvidar de nossas próprias certezas é uma forma de renovar e
legitimar a incredulidade.
Quando temos a
noção de que o perigo que corre o cristão é do mesmo tamanho do que corre o
malfeitor, fica fácil entender porque a troca de tiro entre policiais e
bandidos termina com a morte do transeunte, atingido por uma bala perdida.
Dizem que tudo é
uma questão de sorte só que essa crença levada a sério pode da mesma forma
igualar o cristão com o malfeitor. Portanto, nós, os incrédulos, que não conseguimos medir, catalogar,
repetir, experimentar, certificar e comprovar a existência da “sorte”, nem também conseguimos medir, catalogar,
repetir, experimentar, certificar ou comprovar que ela não existe, acabamos alimentando
uma certa prudência, cultivando uma
postura de pé atrás, dispostos a montar a sorte, se passar por perto, mas
preparado para prosseguir na caminhada da mesma forma se ela não der as caras.
A probabilidade de
o bandido ser atingido pela bala do policial pode ser aproximadamente a mesma
do transeunte, logo que introduzimos o fator casualidade. No entanto, todas as
crenças e religiões do mundo estão fundadas na possibilidade de haver um quarto
ator nesse drama. Refere-se a essa quarta personagem quando o transeunte que
sobreviveu exclama: por um milagre não fui atingido; Deus me protegeu!
Nessa hora eu penso
no transeunte que não teve a mesma sorte. Se pudesse falar talvez dissesse: por
uma incrível casualidade uma bala perdida me perfurou o coração. Ou então,
poderia exclamar: o policial atirou tantas vezes na direção do bandido e não o
alvejou; quem o protegeu, Deus ou o Diabo?
Veja como é difícil
ver ordem no mundo quando o analisamos com uma boa pitada de incredulidade!
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