segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

VOTAR É DIREITO OU OBRIGAÇÃO?


ABEL AQUINO

(Se votar é direito não pode ser obrigação, pois direito se reivindica ou se goza. Se votar é obrigação, não é um direito, é imposição e, se é imposição, fere o direito à liberdade de querer votar ou não. Portanto voto é uma obrigação legal e não tem nada a ver com direito.)

Quando alcancei a maioridade, lembro-me que uma das primeiras coisas que fiz foi ir ao cartório eleitoral e pedir meu título de eleitor. Naquele ano teve eleição e pela primeira vez votei. Para dizer a verdade, aquele foi um dos meus primeiros atos de ingenuidade; sentia-me cumprindo um rito sagrado, determinante para o destino da humanidade.
Mas, com o tempo, comecei a perder o entusiasmo, até o ponto em que essa obrigação  transformou-se em  calvário.
Talvez o momento decisivo tenha sido o da campanha das “diretas já”, em meados dos anos 80, quando percebi que tudo aquilo tinha um forte componente ridículo de delírio e inocência. Quando vi, no Vale do Anhagabaú, a multidão chorando e aplaudindo as raposas políticas como se estivesse diante dos salvadores da pátria, crente de que poderiam inaugurar uma nova e paradisíaca era para nosso país, senti náuseas.
Depois, participando de campanhas políticas dos anos noventa, minha descrença chegou ao ponto em que precisava parar e refletir sobre o porquê desse meu persistente mal estar.

A primeira pergunta que fiz a mim mesmo foi: meu voto tem alguma importância?

 Ora! É fácil perceber que o voto representa uma fração tão ínfima de decisão que posso considerar sem nenhuma relevância, ou seja, meu voto não influi nada na escolha dos dirigentes políticos. Essa participação infinitesimal do poder de um mero voto faz com que  sejam niveladas todas as escolhas, tanto daquele que analisa as qualidades de seu candidato e tenta votar no que conclui que é melhor, quanto daquele que vota por mera obrigação no primeiro nome que lhe ocorrer.
Além do mais o fator diluição do voto faz com que esse poder seja exatamente igual ao de todos os eleitores naquele momento fugaz, independente do seu grau de informação ou preocupação com a qualidade do seu voto. Saber votar não faz a mínima diferença.

O MARKTING OFICIAL

Imagino que os políticos – incluindo os juízes da Justiça Eleitoral  −  tem consciência da fragilidade do sistema político brasileiro. Daí que constantemente fazem propaganda, através da mídia, para convencer o cidadão de que votar é um ato patriótico, um gesto de responsabilidade, um dever sagrado perante a sociedade e coisas dessa natureza. Percebem que não é difícil descobrir a nulidade do voto individual. Esse é um jogo de cartas marcadas em que o eleitor entra com vendas nos olhos, boca fechada e mãos amarradas.


O VOTO OBRIGATÓRIO

Talvez seja nesse contexto que nos deparamos com a absurda contradição entre direito de expressar a vontade e a obrigatoriedade de fazê-lo através do mudo e isolado ato de votar.
Realmente temos uma democracia insólita, uma democracia imposta.  Para justificar a obrigatoriedade, afirmam que essa é necessária para evitar que o povo deixe de votar e ponha em risco o processo eleitoral e o sistema “democrático”. Alguns chegam a dizer que o povo não dá valor ao voto, pois não gosta de votar. Por isso precisa ser empurrado para junto da urna. Bem, concordo com o povo. Acredito que muita gente sabe que o voto consciente vale tanto quanto o voto irresponsável.
Mas existe outra razão, quem sabe mais forte, para que a obrigatoriedade seja tão energicamente defendida por nossos nobres políticos e também por boa parte dos chamados formadores de opiniões. Como a proclamada democracia brasileira caracteriza-se quase que só pela alternância pacífica de poder, deixando cuidadosamente o povo de fora de qualquer influência política, resta à sociedade  o dever de legitimar essa alternância de poder, e isso ela o faz pelo voto.
Portanto o mérito da democracia brasileira é o de garantir a transição pacífica de poder entre grupos sem grandes traumas, sem golpes fardados, coisa bastante comum em outras épocas. Portanto, tornar o voto facultativo, ameaçaria a legitimidade desse sistema.


O MARKTING POLÍTICO

As épocas de eleições são momentos de epifanias, de resgatar o mundo do faz de conta, do intervalo entre o mundo real do trabalho pesado e o paraiso onírico do “tudo é possivel”. A demagogia reina soberana nesses momentos, carregada de palavras vazias, sonoras, quase poéticas, construída por oratórias retumbantes e promessas de magias. Nessas horas, todo candidato é mais puro que São Francisco de Assis e mais dedicado aos miseráveis que Madre Tereza de Calcutá.
Saber, nos períodos pré-eleitorais, quem são os políticos que deveremos eleger, é tão impossível quanto adivinhar a localização da última galáxia do universo. Somos proibidos de investigar e divulgar suas vidas particulares, o que aprontaram no passado ou a quais negócios escusos estiveram envolvidos. Resta-nos analisá-los pela propaganda que fazem de si mesmos, pelos programas midiáticos que nos forçam a ver e ouvir. Seus nomes e suas supostas qualidades são apresentadas com se fossem sabonetes ou churrasqueiras elétricas. Os marqueteiros constroem uma imagem tão cândida e perfeita de seus candidatos que temos a impressão de que não estamos sendo chamados a votar, mas a adquirir de um produto contra dor de dente ou um cobertor para nos proteger do frio.
Alguns criam slogans do tipo “sem medo de ser feliz”, “ o candidato do povo”,  “o caçador de marajás”, “nós somos a mudança” “eu vou trabalhar por você”. Seria interminável uma lista que demonstrasse todos os slogans que nos ferem os ouvidos em épocas de eleição. Dessa forma o voto, nessa farra de lunáticos, transforma-se numa loteria.

TENTANDO ESCOLHER OS MELHORES

Um grande mito, dentre muitos outros que povoam o nosso midiático culto ao processo eleitoral, é o de que pelo voto é possível escolher os melhores cidadãos para nos representar ou para nos governar.
A primeira impossibilidade de que isso possa acontecer salta claramente aos nossos olhos que é o fato de que o processo eleitoral foi há muito entregue aos publicitários, esses especialistas em vender abacaxi com gosto de caviar, sem querer ofender a tão suculenta fruta. Assim, entre a produção de reclames de refrigerante água com açúcar, produzem os reclames do candidato.  Sobe muito a chance de vitória a quem consegue pagar - nunca se sabe como – o melhor marqueteiro.
Além do que, não temos, e ninguém se preocupou com isso, um sistema que exponha ao público os currículos dos candidatos,  que seja uma espécie de biográfica não autorizada de cada um deles. Portanto, escolher alguém para dar o nosso voto, resta-nos apenas o que os marqueteiros mostram sob muita maquiagem verbal, escondendo rugas, sem sombra debaixo do queixo, com largos sorrisos e goma no cabelo.
Outra coisa, o caminho que leva alguém a candidatar a algum cargo político já é um caminho subterrâneo, uma passagem mal iluminada que atrai muito mais gente mal intencionada do que cidadãos honestos.
Para concluir, digo que não posso levar a sério esse sistema eleitoral que temos, principalmente porque o candidato que eu ajudar a eleger vai ter acesso à a verba pública e a usará do jeito que quiser, da maneira que lhe for mais conveniente e a gastará boa parte consigo mesmo ou favorecendo parentes, amigos e correligionários. Outra parte será consumida em autarquias, departamentos, ministérios que não consigo saber porque existem ou se são minimamente necessários. Ou seja, eu, antes de eleitor, sou pagador de impostos e que portanto tenho a obrigação de prestar conta de minha renda ao Estado. Já os políticos não prestam conta a mim nem a nenhum dos eleitores, nem perguntam se estamos de acordo como gastam ou como desviam essa “verba” extraída de nosso sofrido lombo.

Portanto, para não sentir amargura, decepção, impotência, vítima, cidadão conformado, eleitor revoltado, declaro solenemente perante os deuses e os homens que não participarei mais de eleição nenhuma. Mas, como sou obrigado a comparecer a secção eleitoral toda vez que houver eleição, meu voto será sempre “em branco” ou “nulo”.