ABEL AQUINO
(Se votar é direito não pode ser obrigação,
pois direito se reivindica ou se goza. Se votar é obrigação, não é um direito,
é imposição e, se é imposição, fere o direito à liberdade de querer votar ou
não. Portanto voto é uma obrigação legal e não tem nada a ver com direito.)
Quando
alcancei a maioridade, lembro-me que uma das primeiras coisas que fiz foi ir ao
cartório eleitoral e pedir meu título de eleitor. Naquele ano teve eleição e
pela primeira vez votei. Para dizer a verdade, aquele foi um dos meus primeiros
atos de ingenuidade; sentia-me cumprindo um rito sagrado, determinante para o
destino da humanidade.
Mas, com o
tempo, comecei a perder o entusiasmo, até o ponto em que essa obrigação transformou-se em calvário.
Talvez o
momento decisivo tenha sido o da campanha das “diretas já”, em meados dos anos
80, quando percebi que tudo aquilo tinha um forte componente ridículo de
delírio e inocência. Quando vi, no Vale do Anhagabaú, a multidão chorando e
aplaudindo as raposas políticas como se estivesse diante dos salvadores da
pátria, crente de que poderiam inaugurar uma nova e paradisíaca era para nosso
país, senti náuseas.
Depois, participando
de campanhas políticas dos anos noventa, minha descrença chegou ao ponto em que
precisava parar e refletir sobre o porquê desse meu persistente mal estar.
A primeira
pergunta que fiz a mim mesmo foi: meu voto tem alguma importância?
Ora! É fácil perceber que o voto representa
uma fração tão ínfima de decisão que posso considerar sem nenhuma relevância,
ou seja, meu voto não influi nada na escolha dos dirigentes políticos. Essa
participação infinitesimal do poder de um mero voto faz com que sejam niveladas todas as escolhas, tanto
daquele que analisa as qualidades de seu candidato e tenta votar no que conclui
que é melhor, quanto daquele que vota por mera obrigação no primeiro nome que
lhe ocorrer.
Além do mais
o fator diluição do voto faz com que esse poder seja exatamente igual ao de
todos os eleitores naquele momento fugaz, independente do seu grau de
informação ou preocupação com a qualidade do seu voto. Saber votar não faz a
mínima diferença.
O MARKTING
OFICIAL
Imagino que
os políticos – incluindo os juízes da Justiça Eleitoral − tem consciência
da fragilidade do sistema político brasileiro. Daí que constantemente fazem
propaganda, através da mídia, para convencer o cidadão de que votar é um ato
patriótico, um gesto de responsabilidade, um dever sagrado perante a sociedade
e coisas dessa natureza. Percebem que não é difícil descobrir a nulidade do
voto individual. Esse é um jogo de cartas marcadas em que o eleitor entra com vendas
nos olhos, boca fechada e mãos amarradas.
O VOTO
OBRIGATÓRIO
Talvez seja
nesse contexto que nos deparamos com a absurda contradição entre direito de
expressar a vontade e a obrigatoriedade de fazê-lo através do mudo e isolado
ato de votar.
Realmente
temos uma democracia insólita, uma democracia imposta. Para justificar a obrigatoriedade, afirmam
que essa é necessária para evitar que o povo deixe de votar e ponha em risco o
processo eleitoral e o sistema “democrático”. Alguns chegam a dizer que o povo
não dá valor ao voto, pois não gosta de votar. Por isso precisa ser empurrado
para junto da urna. Bem, concordo com o povo. Acredito que muita gente sabe que
o voto consciente vale tanto quanto o voto irresponsável.
Mas existe
outra razão, quem sabe mais forte, para que a obrigatoriedade seja tão
energicamente defendida por nossos nobres políticos e também por boa parte dos
chamados formadores de opiniões. Como a proclamada democracia brasileira
caracteriza-se quase que só pela alternância pacífica de poder, deixando
cuidadosamente o povo de fora de qualquer influência política, resta à
sociedade o dever de legitimar essa
alternância de poder, e isso ela o faz pelo voto.
Portanto o
mérito da democracia brasileira é o de garantir a transição pacífica de poder
entre grupos sem grandes traumas, sem golpes fardados, coisa bastante comum em
outras épocas. Portanto, tornar o voto facultativo, ameaçaria a legitimidade desse
sistema.
O MARKTING POLÍTICO
As épocas de
eleições são momentos de epifanias, de resgatar o mundo do faz de conta, do
intervalo entre o mundo real do trabalho pesado e o paraiso onírico do “tudo é
possivel”. A demagogia reina soberana nesses momentos, carregada de palavras
vazias, sonoras, quase poéticas, construída por oratórias retumbantes e
promessas de magias. Nessas horas, todo candidato é mais puro que São Francisco
de Assis e mais dedicado aos miseráveis que Madre Tereza de Calcutá.
Saber, nos períodos
pré-eleitorais, quem são os políticos que deveremos eleger, é tão impossível
quanto adivinhar a localização da última galáxia do universo. Somos proibidos
de investigar e divulgar suas vidas particulares, o que aprontaram no passado
ou a quais negócios escusos estiveram envolvidos. Resta-nos analisá-los pela
propaganda que fazem de si mesmos, pelos programas midiáticos que nos forçam a
ver e ouvir. Seus nomes e suas supostas qualidades são apresentadas com se
fossem sabonetes ou churrasqueiras elétricas. Os marqueteiros constroem uma
imagem tão cândida e perfeita de seus candidatos que temos a impressão de que
não estamos sendo chamados a votar, mas a adquirir de um produto contra dor de
dente ou um cobertor para nos proteger do frio.
Alguns criam
slogans do tipo “sem medo de ser feliz”, “ o candidato do povo”, “o caçador de marajás”, “nós somos a mudança”
“eu vou trabalhar por você”. Seria interminável uma lista que demonstrasse
todos os slogans que nos ferem os ouvidos em épocas de eleição. Dessa forma o
voto, nessa farra de lunáticos, transforma-se numa loteria.
TENTANDO
ESCOLHER OS MELHORES
Um grande
mito, dentre muitos outros que povoam o nosso midiático culto ao processo
eleitoral, é o de que pelo voto é possível escolher os melhores cidadãos para
nos representar ou para nos governar.
A primeira
impossibilidade de que isso possa acontecer salta claramente aos nossos olhos
que é o fato de que o processo eleitoral foi há muito entregue aos publicitários,
esses especialistas em vender abacaxi com gosto de caviar, sem querer ofender a
tão suculenta fruta. Assim, entre a produção de reclames de refrigerante água
com açúcar, produzem os reclames do candidato.
Sobe muito a chance de vitória a quem consegue pagar - nunca se sabe
como – o melhor marqueteiro.
Além do que,
não temos, e ninguém se preocupou com isso, um sistema que exponha ao público os
currículos dos candidatos, que seja uma
espécie de biográfica não autorizada de cada um deles. Portanto, escolher alguém
para dar o nosso voto, resta-nos apenas o que os marqueteiros mostram sob muita
maquiagem verbal, escondendo rugas, sem sombra debaixo do queixo, com largos
sorrisos e goma no cabelo.
Outra coisa,
o caminho que leva alguém a candidatar a algum cargo político já é um caminho
subterrâneo, uma passagem mal iluminada que atrai muito mais gente mal
intencionada do que cidadãos honestos.
Para concluir,
digo que não posso levar a sério esse sistema eleitoral que temos,
principalmente porque o candidato que eu ajudar a eleger vai ter acesso à a
verba pública e a usará do jeito que quiser, da maneira que lhe for mais
conveniente e a gastará boa parte consigo mesmo ou favorecendo parentes, amigos
e correligionários. Outra parte será consumida em autarquias, departamentos,
ministérios que não consigo saber porque existem ou se são minimamente
necessários. Ou seja, eu, antes de eleitor, sou pagador de impostos e que
portanto tenho a obrigação de prestar conta de minha renda ao Estado. Já os
políticos não prestam conta a mim nem a nenhum dos eleitores, nem perguntam se
estamos de acordo como gastam ou como desviam essa “verba” extraída de nosso
sofrido lombo.
Portanto,
para não sentir amargura, decepção, impotência, vítima, cidadão conformado,
eleitor revoltado, declaro solenemente perante os deuses e os homens que não
participarei mais de eleição nenhuma. Mas, como sou obrigado a comparecer a
secção eleitoral toda vez que houver eleição, meu voto será sempre “em branco”
ou “nulo”.
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