domingo, 27 de dezembro de 2009

SOCIEDADE VIGIADA

Abel Aquino

Um equívoco perpetuado tanto pelos ideólogos da direita conservadora quanto pelos da esquerda é o de dar, ao Estado, papel central no processo civilizatório.
Para eles uma sociedade sem um poder central acima dos poderes individuais, de família, de grupos ou de prestígio, é uma sociedade condenada a incivilidade.
Não poderia ser exatamente o contrario
O Estado parece ser o resultado de um processo evolutivo da sociedade que por sua vez distorce a sociedade, limita-a, molda-a, atrofia-a e por fim a faz mover em círculos.
O Estado foi criado para satisfazer os anseios da sociedade por ordem, justiça, paz ou mesmo liberdade do povo e ao mesmo tempo para sustentar uma elite, uma família real, um grupo guerreiro. Mas, a sociedade precede ao Estado. Quando por razões históricas, o Estado precede à sociedade, temos o estatismo.
Nessas sociedades, o processo evolutivo da sociedade fica comprometido, sua sequência é quebrada, as experiências comunitárias de organização e de auto-governo tornam-se erráticas, reprimidas em face do peso de uma força maior e quase sempre repressora do Estado unipresente.

Podemos dizer que a concepção que temos de Estado, em nosso país, é a Hobbessiana, de um poder central necessário para tirar o ser humano do estado natural, esse necessariamente anti-social e egoísta, para lançá-lo na sociedade da ordem e das leis.
Não seria essa concepção exatamente a que torna o Estado, por natureza, opressor.
Nada comprova que o ser humano possui uma natureza selvagem por assim dizer, incapaz de, sem um poder superior, de conviver com seus semelhantes em paz.
Rousseau pensava exatamente o contrario. O ser humano, no estado natural, era puro e pacífico, foi a sociedade que o perverteu.
E se considerarmos que o ser humano não é nem santo nem demônio. O ser humano pode ser o resultado de uma longa evolução biológica, combinada com educação transmitida de uma geração a outra. Na base de seu comportamento existem instintos de sobrevivência em que se apóiam os comportamentos que a sociedade convencionou chamar de “egoísmo, individualismo, ganância, crueldade, indiferença” etc.
Podemos perfeitamente criar uma sociedade pacifica e ordeira apenas com educação, respeito aos instintos e aplicando a coerção de forma seletivamente, ou seja aos indivíduos que causarem danos a outrem ou a sociedade como um todo.
A sociedade pode criar um pacto de convívio consensualmente estabelecido criando leis e normas não restritivas, ou seja, leis que especificam apenas o que não se pode fazer.
Nossas leis são procuram regular a vida humana nos seus mínimos detalhes, estabelecem regras de comportamentos, determinam como devermos nos relacionar e penalizam quem não obedece a essas leis. Quer dizer que essas leis dependem de poder de controle, de um exercito fiscalizador. O tipo de leis que temos exige um Estado policial.
Esse modelo de Estado não dá importância a educação, no sentido de transmissão de uma geração a outra das regras de bom comportamento. O modelo tradicional de Estado substitui a educação pela regulamentação.
Um exemplo da diferença entre as duas concepções está nas regras de transito: Para dirigir um carro os nossos instintos não nos servem quase para nada, porque ainda não temos em nossa genética reações automáticas ao perigo de dirigir, por exemplo, em alta velocidade. O Estado tradicional procura dificultar ao máximo o acesso das pessoas ao volante de um carro, e, quando o cidadão consegue essa licença, precisa estar permanentemente atento a uma infindável lista de regras e regulamentos de como dirigir. Dessa forma as miríades de regulamentações e restrições exigem uma vigilância permanente do agente estatal.
Mas, tudo poderia ser diferente. Penalizar quem causa acidentes de maneira severa e eficiente mandaria para a sociedade a mensagem de que é preciso dirigir com prudência e competência.. As pessoas sairiam às ruas dirigindo um carro somente se tivessem certeza de ter habilidade suficiente para dirigir sem causar acidentes.
Mas não é isso o que acontece com nosso modelo de estado policial. Ele castiga quem quer dirigir e não penaliza com severidade quem causa dano a terceiros. O Estado cria uma via crusis para quem quer ter o direito de dirigir um carro e não cuida suficientemente de penalizar o causador de acidentes. Portanto o estado policial é em essência um estado burocrático.


A questão não é lutar contra a existencia do Estado. Expressando de outra forma, nosso problema não está na existência do Estado. O problema é que consideramos o Estado uma entidade impessoal ou mesmo acima dos indivíduos, pairando no ar sobre as cabeças dos cidadãos. Ora! Esse estado não existe! Toda ação estatal é executada por pessoas em nome do Estado. Na verdade poderiamos dividir um determinado território em Estado e Governo. Estado seria a nação, os costumes, as leis, as estruturas físicas, os bens públicos. Governo seria os recursos humanos do Estado, os individuos que põem a estrutura do Estado em funcionamento. O problema é que as pessoas que são contratadas ou mesmo eleitas para dirigir o Estado, tomam posse do mesmo como se fosse proprieade particular, dirigem o Estado, moldam suas regras e leis em benefício próprio e não em função do bem estar do povo.
Por isso, não faz sentido algum ser contra o Estado ou discutir qual é o tamanho ideal do Estado, se não questionarmos os mecanismos de Governo, as formas de como se constituiem governos e a burocracia que dirigi o Estado.
São pessoas que coagem os cidadãos e não o Estado. Não importam muito leis e normas de ação criadas para limitar as pessoas. O governo é composto de pessoas humanas com poder de dirigir o Estado. Quando se considera o Estado acima da sociedade, o resultado é que todo aquele que detem o poder estatal se sentirá da mesma forma acima dos cidadãos, portanto aptos para agir de maneira arbitrária, ou impositiva sobre os membro da sociedade.

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