Dentro do cristianismo, a grande revolução que percebo está
na reforma protestante. Esse movimento, que introduziu novos valores sociais e cuja
aplicação deu origem ao mundo liberal
moderno, possuía aspectos fundamentais
nem sempre destacados pelos pesquisadores. Falo de duas características que
foram decisivas, destacadamente como nenhuma outra, quais são, a crença na
relação pessoal com Deus, sem a necessidade da intermediação do padre local ou
da igreja, e a dignificação do trabalho, da atividade mercantil e da busca de lucro,
resultando no enobrecimento da atividade produtiva, do empreendimento mercantil
e no sucesso através de negócios comerciais.
O primeiro deu origem ao individualismo do “self made man” e o segundo aboliu a
tradição de que o trabalho era uma atividade vil, reservada a escravos ou aos
extremamente pobres.
O individualismo e a dignificação do trabalho foram por si
só as maiores revoluções já realizadas pela humanidade.
Mas não podemos esquecer que essas revoluções aconteceram
onde o poder papal foi quebrado. Nos países em que a reforma protestante não
penetrou, permaneceram crentes na hierarquia católica e no desprestigio do
trabalho e do comércio. Essas revoluções se espalharam pelo mundo por osmose e
lentamente, forçando mudanças mais pela
força do estrondoso sucesso do individualismo e da dignificação do trabalho. O
resultado dessa brutal mudança foi uma imensa prosperidade da maior parte da população de alguns países,
impensável nas sociedades rigidamente hierarquizadas e elitistas que perduraram
após o fim da idade média. Essas nações, ao quebrarem simultaneamente o jugo
papal e limitar drasticamente o poder da elite política, estabeleceram a liberdade
de ação, a criatividade sem limites, a inventividade corajosa e a ousadia
produtiva e comercial, coisa sem paralelo na história da humanidade.
Infelizmente os ventos da reforma protestante não sopraram
nos países latinos, cujo domínio católico combinado com sistemas políticos
centralizadores e totalitários, preservou, quase intocado - uma espécie de esqueleto
mental pré-histórico - a aversão ao trabalho e a visão orgânica da sociedade.
Nessa parte do mundo as sociedades são divididas entre esclarecidos e simplórios,
uma concepção que exige que os esclarecidos comandem os simplórios, onde o individualismo só é aceito entre as
classes dos esclarecidos, restando aos simplórios a opção de aceitar,
bovinamente, o papel de membro obediente do bando de baixo. Como trabalhar é
considerado uma atividade degradante, torna-se necessário manter um grande
contingente de pobres que, que sem escapatória, se sujeitam a trabalhar e a
fazer calos nas mãos. Mesmo os movimentos esquerdistas não se livram dessa
mentalidade, apenas a disfarçam com uma retórica de distribuição de riqueza,
como se esta pudesse ser desmembrada do trabalho e do empreendimento. Pensam,
não sei se ingenuamente ou com má intenção, que a riqueza pode ser distribuída indefinidamente.
No final, acabam distribuindo somente a pobreza.
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