sexta-feira, 4 de março de 2016

DUAS GRANDES REVOLUÇÕES ESQUECIDAS

Dentro do cristianismo, a grande revolução que percebo está na reforma protestante. Esse movimento, que introduziu novos valores sociais e cuja aplicação deu origem ao mundo  liberal moderno, possuía  aspectos fundamentais nem sempre destacados pelos pesquisadores. Falo de duas características que foram decisivas, destacadamente como nenhuma outra, quais são, a crença na relação pessoal com Deus, sem a necessidade da intermediação do padre local ou da igreja, e a dignificação do trabalho, da atividade mercantil e da busca de lucro, resultando no enobrecimento da atividade produtiva, do empreendimento mercantil e no sucesso através de negócios comerciais.
O primeiro deu origem ao individualismo do “self made man” e o segundo aboliu a tradição de que o trabalho era uma atividade vil, reservada a escravos ou aos extremamente pobres.
O individualismo e a dignificação do trabalho foram por si só as maiores revoluções já realizadas pela humanidade.
Mas não podemos esquecer que essas revoluções aconteceram onde o poder papal foi quebrado. Nos países em que a reforma protestante não penetrou, permaneceram crentes na hierarquia católica e no desprestigio do trabalho e do comércio. Essas revoluções se espalharam pelo mundo por osmose e lentamente,  forçando mudanças mais pela força do estrondoso sucesso do individualismo e da dignificação do trabalho. O resultado dessa brutal mudança foi uma imensa prosperidade da maior parte da população de alguns países, impensável nas sociedades rigidamente hierarquizadas e elitistas que perduraram após o fim da idade média. Essas nações, ao quebrarem simultaneamente o jugo papal e limitar drasticamente o poder da elite política, estabeleceram a liberdade de ação, a criatividade sem limites, a inventividade corajosa e a ousadia produtiva e comercial, coisa sem paralelo na história da humanidade.

Infelizmente os ventos da reforma protestante não sopraram nos países latinos, cujo domínio católico combinado com sistemas políticos centralizadores e totalitários, preservou, quase intocado - uma espécie de esqueleto mental pré-histórico - a aversão ao trabalho e a visão orgânica da sociedade. Nessa parte do mundo as sociedades são divididas entre esclarecidos e simplórios, uma concepção que exige que os esclarecidos comandem os simplórios,  onde o individualismo só é aceito entre as classes dos esclarecidos, restando aos simplórios a opção de aceitar, bovinamente, o papel de membro obediente do bando de baixo. Como trabalhar é considerado uma atividade degradante, torna-se necessário manter um grande contingente de pobres que, que sem escapatória, se sujeitam a trabalhar e a fazer calos nas mãos. Mesmo os movimentos esquerdistas não se livram dessa mentalidade, apenas a disfarçam com uma retórica de distribuição de riqueza, como se esta pudesse ser desmembrada do trabalho e do empreendimento. Pensam, não sei se ingenuamente ou com má intenção, que a riqueza pode ser distribuída indefinidamente. No final, acabam distribuindo somente a pobreza. 

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