terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

DE PASTOS E REBANHOS

Estava viajando por uma estrada poeirenta e cheia de curvas, acompanhando as partes mais altas dos morros. De ambos os lados do caminho o terreno era inclinando e coberto de pasto. Lá no fundo do vale havia mata escondendo o rio. A visão era muito ampla e com o sol forte eu tinha a sensação de estar no meio de um vasto horizonte; o pasto pontilhado por gado branco, vacas touros e bezerros, limitados por cercas e ravinas. Mais adiante encontramos uma cobertura de telha, estrutura de madeira rústica e um enorme coxo cheio de sal. A roda do cocho a terra estava batida e coberta de excrementos do gado. Um homem espalhava o sol ao longo do coxo. Umas duas dezenas de vacas observavam o homem espalhar o sal e começara a andar na sua direção. Era um gado gordo e bem saudável.
É admirável o cuidado com que esses fazendeiros lidam com seu gado. Formam pastos vigorosos, constroem cercas para limitar seus deslocamentos, desviam córregos para oferecer-lhes água fresca, instalam coxos para alimenta-los com sal e ração balanceada.
Aplicam vacinas, combatem os parasitas e curam suas feridas. No final, depois de adultos e gordos são mortos e viram alimentos para o ser humano.
Lembrei-me de que muitos políticos vêem a sociedade assim, como uma espécie de rebanho domesticado, o qual precisa ser cuidado, seus deslocamentos limitados por cercas de leis e regulamentos, sua água servida, suas doenças curadas e periodicamente vacinado para que possa servi-los, pagar religiosamente impostos pesados e garantir a cada político uma vida segura e despreocupada das incertezas do mundo. Assim como o gado não tem consciência de que está sendo bem tratado para, no futuro, servir de alimento para os seres humanos, o povo não percebe que vive para servir aos seus senhores. O sistema educacional, a mídia, a impressa, os telejornais são veículos de convencimentos e reforço de que o rebanho precisa dos políticos, de que os políticos cuidam de cada cidadão, de que o Estado existe para proteger o fraco do abuso do forte, o pobre da maldade do rico, o ingênuo da esperteza do larápio. Enquanto o povo tiver a natureza do rebanho, haverá um Estado papai e políticos parasitas. Enquanto o povo acreditar que precisa de um Estado caro, perdulário, corrupto e incompetente, vai pagar para viver de promessa de que tudo vai melhorar, de que vai acabar com a violência, de que vai distribuir riqueza para todo mundo, independente do esforço de cada um, de que vai acabar com o tráfico de drogas, com a violência domestica, com o roubo, com o assassinato de rua, com a exploração de uns pelos outros. Dessa forma, enquanto o povo viver de esperança e de crença nesse Estado ideal do futuro distante, vai continuar existindo um sistema políticos podre, caro, perdulário, corrupto e uma elite política usufruído de tudo o que e de bom e luxuoso que a vida privilegiada pode dar.

domingo, 27 de dezembro de 2009

SOCIEDADE VIGIADA

Abel Aquino

Um equívoco perpetuado tanto pelos ideólogos da direita conservadora quanto pelos da esquerda é o de dar, ao Estado, papel central no processo civilizatório.
Para eles uma sociedade sem um poder central acima dos poderes individuais, de família, de grupos ou de prestígio, é uma sociedade condenada a incivilidade.
Não poderia ser exatamente o contrario
O Estado parece ser o resultado de um processo evolutivo da sociedade que por sua vez distorce a sociedade, limita-a, molda-a, atrofia-a e por fim a faz mover em círculos.
O Estado foi criado para satisfazer os anseios da sociedade por ordem, justiça, paz ou mesmo liberdade do povo e ao mesmo tempo para sustentar uma elite, uma família real, um grupo guerreiro. Mas, a sociedade precede ao Estado. Quando por razões históricas, o Estado precede à sociedade, temos o estatismo.
Nessas sociedades, o processo evolutivo da sociedade fica comprometido, sua sequência é quebrada, as experiências comunitárias de organização e de auto-governo tornam-se erráticas, reprimidas em face do peso de uma força maior e quase sempre repressora do Estado unipresente.

Podemos dizer que a concepção que temos de Estado, em nosso país, é a Hobbessiana, de um poder central necessário para tirar o ser humano do estado natural, esse necessariamente anti-social e egoísta, para lançá-lo na sociedade da ordem e das leis.
Não seria essa concepção exatamente a que torna o Estado, por natureza, opressor.
Nada comprova que o ser humano possui uma natureza selvagem por assim dizer, incapaz de, sem um poder superior, de conviver com seus semelhantes em paz.
Rousseau pensava exatamente o contrario. O ser humano, no estado natural, era puro e pacífico, foi a sociedade que o perverteu.
E se considerarmos que o ser humano não é nem santo nem demônio. O ser humano pode ser o resultado de uma longa evolução biológica, combinada com educação transmitida de uma geração a outra. Na base de seu comportamento existem instintos de sobrevivência em que se apóiam os comportamentos que a sociedade convencionou chamar de “egoísmo, individualismo, ganância, crueldade, indiferença” etc.
Podemos perfeitamente criar uma sociedade pacifica e ordeira apenas com educação, respeito aos instintos e aplicando a coerção de forma seletivamente, ou seja aos indivíduos que causarem danos a outrem ou a sociedade como um todo.
A sociedade pode criar um pacto de convívio consensualmente estabelecido criando leis e normas não restritivas, ou seja, leis que especificam apenas o que não se pode fazer.
Nossas leis são procuram regular a vida humana nos seus mínimos detalhes, estabelecem regras de comportamentos, determinam como devermos nos relacionar e penalizam quem não obedece a essas leis. Quer dizer que essas leis dependem de poder de controle, de um exercito fiscalizador. O tipo de leis que temos exige um Estado policial.
Esse modelo de Estado não dá importância a educação, no sentido de transmissão de uma geração a outra das regras de bom comportamento. O modelo tradicional de Estado substitui a educação pela regulamentação.
Um exemplo da diferença entre as duas concepções está nas regras de transito: Para dirigir um carro os nossos instintos não nos servem quase para nada, porque ainda não temos em nossa genética reações automáticas ao perigo de dirigir, por exemplo, em alta velocidade. O Estado tradicional procura dificultar ao máximo o acesso das pessoas ao volante de um carro, e, quando o cidadão consegue essa licença, precisa estar permanentemente atento a uma infindável lista de regras e regulamentos de como dirigir. Dessa forma as miríades de regulamentações e restrições exigem uma vigilância permanente do agente estatal.
Mas, tudo poderia ser diferente. Penalizar quem causa acidentes de maneira severa e eficiente mandaria para a sociedade a mensagem de que é preciso dirigir com prudência e competência.. As pessoas sairiam às ruas dirigindo um carro somente se tivessem certeza de ter habilidade suficiente para dirigir sem causar acidentes.
Mas não é isso o que acontece com nosso modelo de estado policial. Ele castiga quem quer dirigir e não penaliza com severidade quem causa dano a terceiros. O Estado cria uma via crusis para quem quer ter o direito de dirigir um carro e não cuida suficientemente de penalizar o causador de acidentes. Portanto o estado policial é em essência um estado burocrático.


A questão não é lutar contra a existencia do Estado. Expressando de outra forma, nosso problema não está na existência do Estado. O problema é que consideramos o Estado uma entidade impessoal ou mesmo acima dos indivíduos, pairando no ar sobre as cabeças dos cidadãos. Ora! Esse estado não existe! Toda ação estatal é executada por pessoas em nome do Estado. Na verdade poderiamos dividir um determinado território em Estado e Governo. Estado seria a nação, os costumes, as leis, as estruturas físicas, os bens públicos. Governo seria os recursos humanos do Estado, os individuos que põem a estrutura do Estado em funcionamento. O problema é que as pessoas que são contratadas ou mesmo eleitas para dirigir o Estado, tomam posse do mesmo como se fosse proprieade particular, dirigem o Estado, moldam suas regras e leis em benefício próprio e não em função do bem estar do povo.
Por isso, não faz sentido algum ser contra o Estado ou discutir qual é o tamanho ideal do Estado, se não questionarmos os mecanismos de Governo, as formas de como se constituiem governos e a burocracia que dirigi o Estado.
São pessoas que coagem os cidadãos e não o Estado. Não importam muito leis e normas de ação criadas para limitar as pessoas. O governo é composto de pessoas humanas com poder de dirigir o Estado. Quando se considera o Estado acima da sociedade, o resultado é que todo aquele que detem o poder estatal se sentirá da mesma forma acima dos cidadãos, portanto aptos para agir de maneira arbitrária, ou impositiva sobre os membro da sociedade.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

GOVERNO – PARA QUE SERVE?

Abel Aquino

Por que temos a mania de cobrar do Governo a obrigação de resolver todos os tipos de problemas que temos em nosso País?
Por que, apesar de tudo, insistimos em que o Governo tem a obrigação de cuidar de todos nós, de resolver todo tipo de questão social, individual, de saúde, de educação, de crimes, de violência, de acidentes de toda espécie?
Por que, apesar de que tudo, o governo cuida mal da saúde, não consegue dar segurança ao cidadão honesto, não dá educação suficiente aos filhos dos trabalhadores, não dá estradas em bom estado nem distribui a justiça com igualdade?

Os jornais gostam de publicar manchetes tais como:
A Educação está de mal à pior; o governo precisa fazer alguma coisa.
O governo precisa distribuir melhor a renda
O governo precisa combater a violência urbana
O governo precisa cuidar dos velhinhos
O governo precisa cuidar das crianças abandonadas
O governo precisa cuidar melhor da estradas esburacadas.
O governo precisa combater o tráfico de drogas
O governo precisa combater a miséria e a fome
O governo precisa combate o desemprego.
O governo deve fazer isso e aquilo....

Todas essas questões são mais do que bem intencionadas, mas o que há de errado nisso?

O que se impõe é que precisamos responder a outras perguntas antes de sair cobrando do governo isso ou aquilo.
Por exemplo: o Governo é capaz de resolver isso ou aquilo?
Qual é o limite entre o que é de obrigação do governo e o que é obrigação da sociedade ou de setores dela?
Os políticos que elegemos tem o sério propósito de cuidar disso ou daquilo?

Se, ao serem eleitos, eles se sentem livres para cuidar de dar emprego a parentes, de fazer carreira por cargos mais cobiçados, terão interesse em resolver problemas sociais sem retorno rápido?
Há uma pergunta mais básica ainda: qual é a verdadeira função do governo? Não vale responder que é servir ao povo, ajudar o necessitado, proteger os pobres dos ricos, tirar dos ricos para dar aos famintos, e outras belas frases sem conteúdo nenhum.
Falo do objetivo prático, inconfesso de todo político, daquele objetivo que só descobrimos quanto acompanhamos atentamente o dia a dia de sua carreira pública.
Quantos parentes ele levou para o governo, sua mulher seus filhos, seus sobrinhos? quantas obras oferecidas a empreiteiras para pagar financiamento de campanha? quanta esmola deu aos pobres usando o bolso alheio, quantos empregos arrumou, nas milhares de repartições, para amigos, correligionários e puxa-sacos? Quantos projetos de lei para favorecer esse ou aquele grupo, mandando a conta para o resto da sociedade?
Nessas circunstâncias, os políticos podem resolver alguma coisa sem que seja acessório, sem que seja projeto de carreira, sem que seja para agradar setores eleitorais mesmo que a custa de penalizar o restante?
A questão magna é que nós, - falo da sociedade produtiva que paga a conta dos desvarios políticos, - não sabemos que tipo de governo queremos. É aquele que deve cuidar de tudo para que possamos viver despreocupadamente nossas mesquinhas vidas, curtindo um happy hour nos fins de tarde ou poder tomar sol na praia, bebendo uma cervejinha - ou se queremos um governo, não acima da sociedade, pseudo-unipotente, mas do qual podemos participar, cobrar, mudar, e, principalmente, torná-lo do povo, para o povo e pelo povo com dizia Lincoln?.
Podemos observar que numa cidade como São Paulo, com mais de 10 milhões de pessoas, não faltam arroz, feijão, óleo, farinha nos milhares de mercados, pão e leite nas padarias todos os dias, - e, no entanto, não existe nenhum decreto-lei governamental obrigando os produtores, industriais e comerciantes a abastecerem a população de São Paulo. E esses grandes e pequenos empresários fazem isso quase sem falhas. Aliás, os problemas que surgem, na maioria dos casos, são provocados pelos próprios governos. Por outro lado o que é de responsabilidade dos Governos, por exemplo em São Paulo, funciona mal ou nem sequer funciona, como é o caso da segurança, da qualidade das estradas e ruas, da saúde, da educação. Sobre tudo isso ainda pesa, nos ombros dos cidadãos, todo tipo de dificuldade burocrática, de restrições absurdas, de repressão ao honesto e proteção ao desonesto e assim por diante.
Dá para perceber que não é o Governo que faz funcionar a sociedade, pelo contrário, é a sociedade que funciona apesar das dificuldades criadas pelo Governo.
Pensemos nisso de agora em diante.....

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A CAVERNA ERA MELHOR?

Abel Aquino

Acordei, de manhã, com o som estridente do alarme do relógio. Era um dia da semana qualquer, mas desejei que fosse domingo ou feriado. Parecia penoso sair das cobertas e levantar. A noite foi fria e meu sono, tão profundo, que tinha a sensação de que dormira pouco demais. Imaginei quantas pessoas não passam, quando acordam, por esse momento de angustia.
Fui ao banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, sempre pensando nesse conflito entre o desejo de ficar na cama e a obrigação de ter que ir trabalhar. Acredito que muita gente passa o dia carregando esse angustia, sim, o conflito entre desejo e dever permanece como um vaga angustia a dominar todo o corpo. Quantas pessoas não trabalham mal humoradas e desatentas ao que realizam, simplesmente porque vivem quase que diariamente esse conflito entre desejo e obrigação.
Quem não conhece pessoas que, não só vivem esse sofrimento e, até se deixam dominar por ele, e simplesmente se negam a ir trabalhar. Normalmente chamamos gente assim de “preguiçosa”. Mas, será essa uma boa definição de quem se deixou dominar pelo desejo de não fazer nada de vez em quando.
Fui para debaixo do chuveiro imaginando que a maioria das coisas que fazemos, ao longo de nossas vidas, são obrigações e, normalmente, obrigações contrariam desejos.

Quais seriam nossas obrigações no tempo das cavernas?

O ser humano teria, já naquela época, presente esse conflito entre a obrigação de sair para caçar alimente e a vontade de ficar dormindo debaixo de uma aconchegante manta de couro de bisão? Ou esse conflito é um mal da modernidade? Imagino que no passado, em qualquer período, enfrentamos a necessidade de procurar coisas para comer, de colher e caçar como parte importante de nossa existência. Não é obrigação, mas necessidade.E quanto tempo de nossas vidas eram dedicadas a esse atividade? Quanto de nosso tempo podíamos gastar tomando banho no lago, andando atrás das fêmeas ou participando de uma roda de homens, grunhido e gesticulando uns aos outros na tentativa de contar uma aventura passada qualquer?
Sei que seria difícil quantificar esses tempos, mas obrigações tinham um sentido, possivelmente, menos penoso. Caçar, pescar ou mesmo trepar em árvores são atividades muito mais agradáveis do que simplesmente operar máquinas numa fábrica barulhenta.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SOBRE ECOLOGIA E REPRESSÃO

Abel Aquino

Faz algum tempo que a questão do meio-ambiente transformou-se numa campanha moral e emocional com desdobramento para aspectos fascistas de intolerância, separando as pessoas em bandidos e mocinhos, situação na qual a reflexão profunda ou a analise desapaixonada foi sendo banida para destacar apenas os aspectos de danos e prejuízos da natureza, ignorando a condição humana inseparável e essencial de sobrevivência tão importante quanto a sobrevivência de qualquer outra forma de vida. Muitos dos ditos movimentos ecológicos trataram a questão como pólos opostos: ser humano versus preservação, o que fez com que, em suas campanhas, a luta pela sobrevivência da natureza significasse o banimento da presença humana e a transformação das áreas a serem preservadas em territórios intocáveis. Outro aspectos ainda mais perverso foi o de considerar que a destruição da natureza é fruto da maldade humana ou da ganância dos que buscam lucros e vantagens financeiras por quaisquer meios e em qualquer situação. Com essa forma de encarar o problema, o fator educação, a busca de outras formas de auferir lucros, a pesquisa de novas fontes de rendas e o trabalho de mudança de velhos hábitos, foram desprezados em favor de intervenções coercitivas, punitivas, repressivas mediante a elaboração de leis e regulamentos, presença massiva do Estado policial e a destruição arbitrária de meios de vida de muita gente, sem um mínimo de respeito aos direitos que deveriam ser assegurados por uma sociedade livre e democrática. Para os movimentos ecológicos mais radicais, a preservação da natureza estava acima da preservação dos direitos humanos básicos. Nessas condições não havia preocupação em encontrar meios de conviver com a natureza, de eliminar o conflito entre preservação e meio de vida.

Recentemente surgiu a noção de que é preciso avançar na direção de encontrar formas de desenvolver a sociedade sem destruir a natureza. Estamos falando do princípio da sustentabilidade ou “desenvolvimento sustentável”, conceito que pode encaminhar a questão para pesquisas de formas alternativas de usar a natureza em proveito do ser humano, sem danos permanentes às outras formas de vida. Na verdade estamos imersos na natureza e com a mesma interagimos e formamos o mundo da biodiversidade, organismos e flora intrinsecamente interligados e mutuamente interdependentes, compondo o equilíbrio biológico como um todo dessa espaçonave chamada terra. Esta é, esperamos, a partida para uma ação menos repressiva e burocrática da questão, ou seja, procurando buscar recursos de conhecimento, de manejo e de convivência, principalmente com investimento na educação das pessoas, empenhando esforços na formação de sociedades conscientemente baseadas na cultura da sustentabilidade e no convívio não predatório da natureza. Este seria um terceiro momento, entendendo que tivemos, antecedendo, a explosão populacional, patrocinada pela revolução verde, a modernização da agricultura, em seguida tivemos os primeiros alarmes sobre a poluição e a deterioração do meio-ambiente, que foi sucedido pelos movimentos alarmistas e adeptos da repressão pura e simples. Naquele momento inicial, os primeiros alertas chamavam a atenção sobre o uso intensivo de venenos nas lavouras e sobre a poluição das águas nas regiões próximas aos grandes centros urbanos. Esses primeiros alarmes, ainda tímidos, foram sucedidos, num segundo momento, pelos movimentos radicais ecológicos que brandiram a bandeira da preservação e do combate a poluição e a destruição da natureza a qualquer preço, sem respeitar a condição humana nessa problemática nascida da ignorância e, não da maldade inerente ao homo sapiens.
Felizmente, o terceiro momento dessa questão promete ser mais de paz e educação que de repressão e terrorismo catastrófico.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

SOBRE PAZ E MANSIDÃO

Abel Aquino

Quando, com medo de guerras e violências, a gente defende uma sociedade de mansos, de indivíduos pacíficos, está na verdade justificando a existência da subordinação da sociedade á algum tipo de controle de uns pelos outros. Se alguém evita briga tem que combinar com o agressor, do contrário estará abrindo mão de algum direito violado por esse, o que quer dizer que está se submetendo ao outro.
Defender o pacifismo pelo medo de guerras, ser contra o conflito por medo da ruptura social e não ver, ao mesmo tempo que, na maioria das vezes, a paz é conquistada pela subordinação de uma das partes, o conflito é evitado pela tolerância às violações da integridade física ou moral de um individuo ou de uma sociedade, só é possível ignorando que a origem das guerra e dos conflitos pessoais está na injustiça.
As pessoas podem se revoltar contra tiranos, contra ditadores, contra aproveitadores, contra assaltantes e ladrões, mas, se forem mansas, treinadas no pacifismo, como poderão saber reagir, defender-se?
Os pacifistas esquecem de nos dizer como é possível alcançar a paz sem ceder em nossa integridade.
Para ter sentido, qualquer discussão entorno da paz precisa estar baseada na predisposição de toda a sociedade de buscar um mundo de justiça para todos, incluindo nesse debate os aproveitadores, os assaltantes e ladrões. E isso é ridículo.
Os conflitos sociais são resultados de assimetrias nos relacionamentos e na maioria das vezes essas assimetrias são geradas por sanções e restrições que foram criadas para evitar, exatamente, esses conflitos.
Se numa determinada sociedade houver um ladrão apenas não há como haver paz. Basta que um membro da sociedade queira viver às custas dos outros para tornar-se impossível a conquista da paz.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

LIBERDADE OU SEGURANÇA

Na sociedade moderna atual, não se procura preservar a liberdade mas sim aumentar cada vez mais a segurança de uns contra os outros, mesmo que essa busca seja fadada ao fracasso. Entregamos ao estado a missão de nos proteger de nossos semelhantes quando, na realidade, o verdadeiro objetivo do Estado é proteger os que o controlam e sugar da sociedade os recursos que maximizarão o usufruto de ter o poder, ou seja, de representar o estado perante a sociedade. O papel da sociedade é de sustentar o Estado, e para que isso não seja visível os operadores do Estado criam uma ideologia de dependência, faz a sociedade crer, de que, sem a presença do Estado, as coisas seriam muito pior.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

QUEM VIVE DAS SOMBRAS

Abel Aquino

O dia dos seres humanos começa com o nascer do sol no leste e termina com o seu ocultar no oeste. O dia do leão começa com o por do sol no oeste e termina com o seu nascer no leste. O ser humano precisa da luz para viver, o leão precisa da sombra. Quando o ser humano usa a sombra para viver torna-se um mero predador.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

PARA QUE SERVE A ONU?

PARA QUE SERVE A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS?

Abel Aquino

O nome ONU é totalmente inadequado.

Nação representa mais que governos, detentores do poder sobre suas respectivas populações: Nação é um território e seu povo, independentemente de quem A governa em um determinado momento, não é verdade?

QUEM PODE SER MEMBRO DA ONU?

Para ser membro da ONU basta ser governante, estar no poder, não importa como chegou lá, e não há distinção entre eles, pois podem ser governantes eleitos democraticamente ou eleitos por eleições manipuladas ou de fachada, ou, ainda, eleitos por junta militar, por vinculo familiar, hereditário, etc. Quantos deles não são representantes de suas nações, mas donos delas?

UM NOME MAIS APROPRIADO

Essa organização seria mais coerente se adotasse um nome tipo “ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DOS GOVERNANTES DE NAÇÕES - OMGN” ou outro qualquer, desde que refletisse melhor a sua real composição.

PODE-SE CONFIAR NESSA ORGANIZAÇÃO?

Como seus membros não são diretamente representantes de povos, mas, sim, de representantes de governantes que dominam e reinam, de alguma forma, sobre suas respectivas sociedades, essa organização é vista com desconfiança por qualquer pessoa bem informada em qualquer parte do mundo.

UM PALCO DE JOGOS DE PODER

Que bem pode trazer essa organização aos povos das centenas de nações da terra, se é tão mal representada e cuja principal atividade é a de promover disputas territoriais e posições de força e poder no jogo político mundial?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

ISSO É UMA IMPOSSIBILIDADE!

A vida é um caminho com subidas e descidas, curvas e cruzamentos e sempre leva a algum lugar. Cada passo é uma encruzinhada e cada encruzilhada é uma possibilidade de pegar outro caminho e ir para outro destino. Só quem conhece os milhares de desvios e cada encruzilhada, pode dizer que encherga os acidentes do percurso e o que o espera depois da longa caminhada - e isso é uma impossibilidade.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

DE ECOLOGIA E REPRESSÃO

Abel Aquino

Faz algum tempo que a questão do meio-ambiente transformou-se numa campanha moral e emocional com desdobramento para aspectos fascistas de intolerância, separando as pessoas em bandidos e mocinhos, situação na qual a reflexão profunda ou a analise desapaixonada foi sendo banida para destacar apenas os aspectos de danos e prejuízos da natureza, ignorando a condição humana inseparável e essencial de sobrevivência tão importante quanto a sobrevivência de qualquer outra forma de vida. Muitos dos ditos movimentos ecológicos trataram a questão como pólos opostos: ser humano versus preservação, o que fez com que em suas campanhas a luta pela sobrevivência da natureza significasse o banimento da presença humana e a transformação das áreas a serem preservadas em territórios intocáveis. Outro aspectos ainda mais perverso foi o de considerar que a destruição da natureza é fruto da maldade humana ou da ganância dos que buscam lucros e vantagens financeiras por quaisquer meios e em qualquer situação. Com essa forma de encarar o problema, o fator educação, a busca de outras formas de auferir lucros, a pesquisa de novas fontes de rendas e o trabalho de mudança de velhos hábitos, foram desprezados em favor de intervenções coercitivas, punitivas, repressivas mediante a elaboração de leis e regulamentos, presença massiva do Estado policial e a destruição arbitrária de meios de vida de muita gente, sem um mínimo de respeito aos direitos que deveriam ser assegurados por uma sociedade livre e democrática. Para os movimentos ecológicos mais radicais, a preservação da natureza estava acima da preservação dos direitos humanos básicos. Nessas condições não havia preocupação em encontrar meios de conviver com a natureza, de eliminar o conflito entre preservação e meio de vida.
Recentemente surgiu a noção de que é preciso avançar na direção de encontrar formas de desenvolver a sociedade sem destruir a natureza. Estamos falando do princípio da sustentabilidade ou "desenvolvimento sustentável", conceito que pode encaminhar a questão para pesquisas de formas alternativas de usar a natureza em proveito do ser humano, sem danos permanentes às outras formas de vida com as quais interagimos e formamos o mundo da biodiversidade, intrinsecamente interligadas e mutuamente dependentes para o equilíbrio biológico como um todo dessa espaçonave chamada terra. É a partida para uma ação menos repressiva e burocrática da questão em proveito da busca de recursos de conhecimento, de manejo e convivência mediados pela educação das pessoas, pela formação de sociedades conscientemente baseadas na cultura da sustentabilidade e no convívio não predatório da natureza. Este seria em terceiro momento da questão inicialmente surgida da explosão populacional, da revolução verde, dos primeiros sinais de poluição e de deteorização do meio-ambiente. Naquele momento inicial os primeiros alertas chamavam a atenção para o uso intensivo de venenos nas lavouras e na poluição das águas nas rigiões próximas aos grandes centros urbanos. Esses primeiros alarmes, ainda tímidos, foram sucedidos pelos movimentos radicais ecológicos que brandiram a bandeira da preservação e combate a poluição e destruição da natureza a qualquer preço e sem respeitar a condição humana nessa problemática nascida da ignorância e, não da maldade inerente ao homo sapiens.
É sobre a luz dessa nova forma de encarar a questão ecológica que faremos um levantamento histórico da questão do palmito e desenvolveremos alternativas e novas visões sobre os aspectos ecológicos, antropológicos, com vista ao objetivo de alcançar meios sustentáveis, baseados nos princípios não predatórios da atividade econômica de exploração do coração das palmeiras para obtenção do palmito.

terça-feira, 23 de junho de 2009

NÃO SE FAZ GUERRA COMO ANTIGAMENTE

Abel Aquino

As guerras modernas possuem uma característica que não vemos nas batalhas de outrora. Hoje, as guerras precisam possuir regras e uma delas é a de poupar civis. Mas, guerra com regra soa estranho, pois, os motivos que originam essas eventos, raramente são lógicos ou sensatos. Mas não diferem significativamente de briga de rua, ou seja, surgem de causas banais e, quando os contendores se atracam, quem usa de todos os recursos e não poupa energia, geralmente vence. Temos dois exemplos neste momento.
A Colômbia e o Sri Lanka são estados que conviveram com dissidências armadas por longo período e encararam essa questão da mesma forma: enfrentar as respectivas guerrilhas internas como apenas um problema a mais a ser considerado e não como prioridade acima de tudo.
No Sri Lanka, com a eleição de Mahinda Rajapaksa, as questões da guerrilha separatista tornaram-se prioridades e o combate a mesma foi eficiente, sem sujeição a certas regras civilizadas de guerra.
Os guerrilheiros - chamados Tigres Tamis – contaram, por muito tempo, com a cobertura da população civil, e isso vinha funcionando. Na tentativa de derrotar a guerrilha, os governos anteriores não se dispuseram a sacrificar vidas inocentes.
Mahinda Rajapaksa e seus irmãos resolveram enfrentar o problema ignorando os custos civis da empreitada. O resultado foi a enorme perde de vidas da população desarmada.
A ONU afirma que mais de sete mil inocentes foram mortos na campanha.
No dia 19 de maio de 2009, o presidente Mahinda Rajapaksa comemorou a derrota final da guerrilha Tamis e a pacificação do país, confirmando o controle de todo o território nacional.
Qual foi o preço dessa vitória?
O presidente Mahinda, praticamente, fechou o país à imprensa internacional, silenciou os críticos - até com morte de jornalista, dizem seus opositores - expulsou ONGs humanitárias que trabalhavam nas áreas controladas pela guerrilha e não poupou civis, usados como escudos por esses rebeldes.
Por outra lado, na Colômbia, os governos se sucederam sem dar prioridade a derrota da guerrilha. Mesmo Álvaro Uribe, o atual presidente, que, aliás - mais sucesso teve no combate às FARCS - tem hesitado em empreender uma campanha total contra os mesmos.
Vai daí que vemos uma sucessão de meias-vitórias sem fim, um enfraquecimento da guerrilhas, sempre temporário, até que elas se renovem, se rearticulem e voltem, novamente, a crescer.
Nesses constantes embates morrem sempre civis, e, ao longo de vários anos, acabam somando quantias enormes, sem que se saiba qual o fim disso.
Deveriam os governante da Colômbia ignorar as regras de guerra civilizada e partir para um combate final, incluindo a aceitação de imenso custo civil da empreitada?
É difícil decidir. Guerras, no momento atual, podem ser cobertas por uma mídia sensacionalista, ávida por audiência a qualquer custo, disposta a tomar partido do leitor/espectador e promover uma campanha mundial de condenação aos governos em guerras internas ou com vizinhos, não considerando as condições especificas dos problemas de cada país. Além disso, temos o conserto das nações, uma espécie de governo mundial que, encarnado pela ONU, pode, até certo ponto, interferir nos assuntos internos de qualquer nação.
Como decidir?
Um custo civil, por exemplo, de dez mil mortes de inocentes em alguns meses ou um custo civil de dez mil mortes em 20 anos de guerra constante, desgastante e infrutífera?
Podemos lembrar da guerra do Vietnan, quando a maior máquina militar do planeta foi derrotada por um exércitos de soldados descalços. Perderam porque impuseram, por pressão da mídia, do povo Americano e dos críticos, limites operacionais numa briga que não podia ter regras.
Foi a primeira guerra que podemos chamar de “midiática” e nunca mais as guerras foram as mesmas.
Foi boa essa “evolução”?
Não podemos esquecer que matanças de seres humanos, sejam por quaisquer motivos que forem, são condenáveis. Quem sabe a midiatização das guerras não represente um primeiro passo para acabarmos com elas!
Será isso otimismo?
Quando analisamos as razões das brigas, seja elas de botequim ou de grandes nações, o que vemos em comum é a falta de lógica, de sentido mesmo, e está na hora de o ser humano aprender a dialogar, em vez de trocar bombas.
Para continuarmos exemplificando, esse eterno conflito no oriente médio revela bem a falta de bom senso e até de racionalidade mínima dos seres humanos, principalmente quando escudados por noção de raça, estado, nação ou territorialidade. Qualquer analista externo a essa desavença, percebe que a solução é ambos, Israel e Palestinos, encontrarem um modus vivendi, repartirem as terras em disputas e, no final, tocarem suas vidas da melhor maneira que puderem. Mas, não, um quer a destruição do outro, e isso, nos dias de hoje é inadmissível.
Nos tempos bíblicos um povo qualquer derrotava outro povo, matava mulheres e crianças, salgavam o solo de suas antigas moradas e apagavam seus nomes da história. Hoje, em nosso mundo midiático, graças aos deuses, isso é impossível.
Já estamos mais civilizados, talvez.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

UM MONGE EM MINHA LAVOURA - 1

Abel Aquino


Estive meditando: existe incompatibilidade entre pensamento e ação? Pensar atrapalha o agir? Ocorre-me a cena de algum monge budista sentado numa pedra ao frio e ao vento, imóvel, pensando na vida. Será que isso tem sentido?
Estava roçando o pasto, o sol queimava minhas costas e o suor descia pelo pescoço, típico serviço braçal como se diz pejorativamente. Embora agitado, eu continuava a pensar, imaginar coisas, fazendo conjecturas e planos. Parece que minha mente trabalha outro tipo de atividade, mas sem atrapalhar os braços nem as pernas. O vizinho passou pela estrada, agitou a mão sem desviar do seu caminho, e seguiu trocando largos passos e gingando o corpo. Seu chapéu estava destrançado numa parte da aba e manchado de barro.
Parei de roçar e olhei para o horizonte ao sul, procurando captar, em meu corpo, aquela imensidão de mundo ao meu redor e ao mesmo tempo sentido o cheiro do capim cortado.
A noite, depois do jantar, peguei o livro AURORA, de Nietzsche, para ler. Estava com muito preconceito na cabeça. Fui até a varanda com a lamparina na mão direita e o livro na esquerda. Sentei-me no banco e, ouvindo os curiangos , comecei a leitura. Sei que Nietzsche condena a filosofia por ter-se afastada do cotidiano da vida e isso me agrada.
Mas enquanto lia, como já disse Emerson em algum lugar, fui tendo meus próprios pensamentos e parei de ler para pegar um caderno e escrever o que estava fervendo em minha mente.
Sei que ninguém virá me perguntar porque estou lendo Nietzsche, pelo menos nesta região.
Algum vizinho pode aparecer por aqui, mas irá perguntar sobre gado, cavalos e, principalmente, se vai chover amanhã. Talvez nem notará que estou lendo um livro que não seja a bíblia. Mas o que me preocupa, na verdade, é em que posição estou jogando meu campeonato particular da vida. Estou no time dos dominadores ou no dos escravos? Quem sabe eu seja um escravo com pretensões de senhor ou, mesmo um senhor com crises de masoquismo. O ato de viver já é uma forma de superar alguma coisa, de afirmação e conquista. Minha curiosidade leva-me longe, através dos caminhos da filosofia como a daquele bêbado na festa de aniversário do Oswaldo. Tirando o hálito pouco suportável, disse uma grande verdade: “a gente não bebe para esquecer mas para espantar o medo”. E quem não é perseguido pelo medo?


Ontem estive ateando fogo no roçado à beira do brejo. Depois de espalhar os pontos de chama pela palha seca ao longo da roça, fui sentar à sombra de uma árvore, longe da fumaça espalhada pelo vento. O fogo cresceu e, em pouco,tempo, todos os pontos se uniram numa enorme labareda, varrendo a palha do capim cortado.

Depois do jantar, de noite, peguei meu caderno de anotações e escrevi apenas: “toquei fogo na roça hoje”!

Nietzsche tem razão, nalguma curva da história o ser humano fugiu da vida e passou a cultuar Idéias, alimentar Idéias, defender Idéias, matar por Idéias e a torturar seus semelhantes por terem a mania de cultivar Idéias diferentes. O grande problema das Idéias é que elas não tem forma nem conteúdo e quanto mais lhes faltam forma e conteúdo, mais elas dominam. Mas, eu que sou simples, acredito apenas na minha roça queimada e, ingenuamente, ficaria espantado se me dissessem que existem diferenças entre minha roça e a idéia que podemos fazer dela. O vizinho do sul cria porcos e o do norte engorda gado. Não são muito religiosos, mas possuem uma fantástica filosofia de vida, qual seja a de tudo o que depende deles enfrentam e resolvem, e tudo o que depende da sorte ou de causas acima de sua compreensão, deixam para Deus resolver. Com isso vivem maravilhosamente bem. Se o padre aparece pedindo uma novilha ou uma porca para a quermesse da semana santa, eles dão duas e sentem-se que já fizeram sua parte. Se falta chuva e sua horta morre de seca, culpam Deus por isso e seguem em frente.
Gostaria de ter essa simplicidade.
Mas voltando a questão da roça queimada, digo que é a experiência que faz uma imagem dessa ter o aspecto concreto em nossa mente. O fosso entre a imagem e a realidade só existe quando não vivemos essa última. Quando há uma integração entre o que vemos, sentimos, ouvimos e cheiramos não há conflito entre o fato e sua representação.
Por isso dou valor a liberdade e quero que o mundo me deixe viver do jeito que achar melhor. Vou ser egoísta quando achar que preciso ser egoísta. Posso ajudar meu vizinho a desatolar sua camionete sem ser cobrado ou levar ao hospital a mulher grávida do Joaquim sem achar que fiz uma boa ação, mas porque simplesmente quis fazer isso.
Meu objetivo é viver sem prestar conta a ninguém que não a mim mesmo. Gosto de estar só cercado de mato e animais, curtindo a chuva, o sol do campo, a visão das montanhas intocadas. Quando me canso do sossego vou à cidade e procuro as pessoas para tagarelar por horas. Gosto de ir até a fazenda do Álvaro e ver se ele precisa de ajuda na aragem da terra. Passo o dia por lá, trabalhando com ele, com seus empregados. Quando paramos para almoçar, debaixo do rancho de palha, proseamos como gente tagarela e qualquer assunto serve de tema e consegue esticar a conversa.
Mas tem dia que quero estar só, com meus pensamentos, com meu horizonte aberto e sujeito a raios e tempestades. Nessas horas procuro conhecer meu ritmo, as leis que vigoram em meu interior. É o momento de avaliar minhas escolhas e minhas crenças, sem deixar nada de fora do pensamento.
O problema de nossas religiões é que consideram o ser humano uma espécie de câncer que deixado a si mesmo desenvolve desordenadamente e se transforma em monstro. Pensando assim qualquer tentativa para domesticar o ser humano parece sensata, mesmo que custe o aniquilamento do ser. Todas as crueldade perpetuadas pela humanidade foram justificadas por racionalizações tais como: eram hereges, eram ímpios, eram bárbaros, eram inimigos do Estado, eram blasfemos ou simplesmente pecadores.
Quando pergunto a mim mesmo: sou uma pessoa má ou sou uma pessoa boa? Por exemplo, não tenho prazer nenhum em torturar um rato quanto mais torturar outra pessoa, por isso acredito que não sou de todo mau. Mas tem horas que odeio certos indivíduos e imagino cortar suas gargantas e vê-los morrendo a meus pés, então penso: será que sou uma pessoa cruel?
Nietzsche diz que somos humanos, demasiados humanos, mas isso não esclarece minhas dúvidas.
Quando era criança, percebi que meu primo gostava de pegar o nosso gato, amarrar um pano embebido em óleo no seu rabo, tocar fogo e se divertir com a correria do pobre animal. Aquilo me parecia um horror. Ele era um garoto mau? Não sei. Quando adulto mostrou-se bom marido, bom pai, bom amigo das pessoas.
Na verdade, não posso confiar nas palavras e duvidar de pessoas, pois as palavras são tão escorregadias quanto a personalidade de um ser humano.
As palavras são, parafraseando Nietzsche, uma espécie de bolso, onde ora se guarda uma coisa ora se guarda outra. As palavras são como bolsos, recipientes vazios prontos para serem preenchidos. Mas o mal não está nessa propriedade das palavras, mas está em ignorar essa propriedade e dar a qualquer palavra um sentido absoluto.
O que realmente procuro é viver minha vida de conformidade com meus instintos, sem medo de me tornar uma fera, mas convivendo com meus demônios interiores e indo além, compreendendo os demônios dos outros.
Gasset dizia: “viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo”, e é o que move minhas pernas nesta caminhada.



Naquela região, próximo à Santa Cruz, não existem muitos moradores. A maioria das casas são sedes de fazendas ou sítios e ficam nas baixadas, próximas da água. As crianças saem, de manhã, com seus livros e cadernos e, na medida que vão alcançando a estrada principal elas se encontram e caminham, dez ou quinze, juntas para a escola rural. A maioria dos pais acredita que a escola pode ensinar coisas que eles próprios não seriam capazes. Ignoram que a escola, tirando o prédio, é a professora e, o que as crianças vão aprender, depende da capacidade, do interesse, da dedicação e da paciência da professora. Esta pode ter boa noção de matemática, de geografia, de gramática, mas possuirá alguma noção de como se comunicar com uma criança? Como transmitir seus conhecimentos à criança sem que seja castigo? Na maioria dos casos a lição mais inesquecível de uma criança é a da reguada na cabeça, ou como antigamente, da palmatória. A criança não liga a palmatória ao estudo da matemática e, sim, à escola como um todo. Nas grandes cidades o castigo foi abolido, mas junto com a abolição do castigo foi o respeito à professora. Agora enfrentam um novo problema: como dar aula numa classe tumultuada, sem poder dar nem um puxão de orelha sequer. É impossível achar um pai que pensa nessa extremamente complexa arte de ensinar ou de passar conhecimento do professor para dentro da cabeça do aluno.
Mas a melhor lição de vida as crianças adquirem é no caminho para a escola, quando se juntam em bando, com brincadeiras, conversas, provocações, namoricos e com certa freqüência, boas brigas.
Elias já tem uns 13 para 14 anos e não se dá bem com o Douglas, filho do Sebatião, o vizinho ao sul de sua casa. Ambos gostam da mesma menina, a Dalva. Encontrei-o abrindo a porteira, retornando da escola. Parei minha bicicleta e puxei conversa com ele.
- Como está indo o estudo? Perguntei.
- ´Stá bem, respondeu. - ´Ocê vai chegar lá em casa? Perguntou em seguida.
- Não estou indo para o povoado.
- Teve na escola ontem, vai dar aula lá?
- Não, fui ver a professora que ficou de falar com vocês sobre a campanha de combate à doença de chagas. – A professora já explicou para vocês o que é doença de chagas? perguntei.
- Ainda não, mas sei que é aquela que ataca o coração, concluiu.
- É isso aí.
- A gente pega da mordida do persevejão, né?
- É isso mesmo, concordei.
- Mas, conta qual é a sua matéria preferida?
- Eu estudo todas... é preciso, né? Respondeu sem jeito.
- Quero saber qual matéria é mais fácil para você, ou é mais agradável?
- Bem, gosto de história.
- Você lê alguma coisa além do que a professora manda?
- Não. – Não tenho outros livros.
- E se eu emprestar um, você lê?
- Leio, sim. Respondeu. – o que fala no livro? Perguntou curioso.
- Bem, tenho vários livros de história. – verei qual pode ser mais fácil para você.
- ´Tá bom. – Eu vou chegando, falou passando pela porteira.
Despedi-me dele e fiquei olhando-o afastar pela estrada, com sua bolsa de pano cruzada no ombro. É difícil estudar ou, melhor, ter curiosidade por coisas dos livros quando a criança vive num mundo ausente de livros. Os pais analfabetos ou daqueles que dizem que lêem para o “gasto”, não tem a mínima idéia da importância de se conhecer o universo dos livros.
Praticamente em todas as casas que visitei nesta região, o único livro que eventualmente aparece é a bíblia, mas sempre com o papel de enfeitar a estante ou a mesa da sala do que propriamente um livro para a família ler e meditar.
Outra coisa que chama atenção por aqui é a falta de horta no quintal ou mesmo de roça bem organizada. Os terreiros das casas são sujos, povoados por galinhas, porcos soltos, cachorros e gatos. O máximo que a gente vê é um pequeno canteiro de cebolinha e temperos básicos.
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terça-feira, 12 de maio de 2009

OUTRO TIPO DE SELVA

Abel Aquino

A região rural do entorno de Santa Cruz de Goiás era bastante montanhosa e os vales pareciam o interior de uma imensa fortaleza. A estrada que eu percorria margeava um estreito rio e, de vez em quando, via enormes construções cercadas por currais de madeira e com bicas d´água jorrando no quintal. Muitas dessas grandes casas estavam vazias, sem moradores. Mas a terra não estava abandonada, pois, da estrada, eu conseguia ver lavouras bem formadas e pastagens verdes dos dois lados.
Pelo que fiquei sabendo, pouca gente queria permanecer no campo. A maioria mudara para a capital, para a grande cidade.
No entanto, Seu Martim teimou em ficar e com ele toda a família. Encontrei-o sentado no degrau da escada da porta da frente de sua modesta casa. Enquanto conversava, suas mãos calejadas dobravam as abas do chapéu encardido, evitando trocar olhares comigo. Falava calmamente e sem grande preocupação.
- Até meu irmão foi embora, dizia. - Sei, continuou, que lá ninguém respeita ninguém; é tudo desconhecido... nem filho obedece pai. - Eu sei disso... concluiu, levantando os olhos rapidamente.
- Querem facilidades lá, argumentei.
- É - tudo é fácil por um lado e difícil pelo outro. Pra estudar é mais fácil e pra aprender coisa que não presta também é, ponderou.
- Você não deixa de ter razão, conclui.

O filho mais velho de Seu Martim devia ter mais de 18 anos e evitava conversar comigo. Era extremamente tímido. Imaginei que a cidade grande não seria realmente um bom lugar para ele viver; difícil se adaptar, adquirir os vícios da cidade.

Mais tarde, já pedalando pela estrada, fiquei pensando comigo:
A vida no campo pode ser monótona e pouca coisa acontece que não seja repetida, dia após dias. Mas a gente tem um bom controle sobre o próprio espaço. Na cidade precisa, a todo instante, manter relacionamentos com desconhecidos, tem que arriscar nas travessias de ruas, na possibilidade de ser assaltado, enganado. e, na maioria das vezes, sem condição de avaliar ameaças e perigos.
A grande cidade é que é uma selva, onde os perigos não são fáceis de avaliar, onde as feras são nossos próprios semelhantes.
Outra coisa que me impressionou, naquela região, foram as tais bicas d´água. Os moradores não faziam poço porque o terreno era muito rochoso. A solução foi construir suas casas próximas dos rios, dos riachos ou de nascentes. Do leito do rio abriam vala, desviando a água do curso e canalizando-a na direção da casa. A vala terminava em uma calha de madeira que elevava a água por um metro e a deixava cair na extremidade, formando a tal bica d´água. Ali podiam colher toda a água necessária, usando gamela, balde ou bacia. As roupas eram lavadas em gamelas ao lado da bica e batidas em prancha de madeira. A noite, a gente dormia ouvindo o barulho daquela água, misturado com o pio da coruja, dos curiango e o coaxar dos sapos.

Era princípio de ano e ainda havia mangas nos pomares abandonados. Parei minha bicicleta, abri a porteira e passei os olhos pela parte externa da casa; havia um enorme quintal e não tinha sinal de gente. Só via folhas forrando o chão e poeira amontoada nas guarnições das janelas fechadas.
As mangas amarelas dependuravam dos galhos da mangueira, entre as folhas. Subi pelo grosso tronco, procurei o galho mais carregado de fruta e fui na direção da extremidade. O ramo começou a vergar sob meu peso. Deitei o corpo, estendi os braços e consegui alcançar uma meia duzia de gordas mangas. Apanhei uma por uma e as joguei ao chão, procurando lançá-las sobre a parte mais coberta de folhas secas para que não se machucassem.
Passei a tarde chupando mangas, sentado ao pé da paineira e observando os esquilos correndo pelos galhos do abacateiro do fundo da casa.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

ANOTAÇÕES DE LEITURA - 101

A RELIGIÃO E O SURGIMENTO DO CAPITALISMO

Título Original: Religion and the Rise of Capitalism

Autor: R. H. TAWNEY

Editora: Perspectiva - 1971

(Período da Leitura: 20/09/2008 à 31/12/2008)

INTRODUÇÃO

“O objetivo deste livro é investigar algumas linhas no desenvolvimento do pensamento religioso sobre as questões sociais e econômicas no período que presenciou a transição das teorias medievais de organização social para as modernas. Ele não conduz o assunto além do começo do século XVIII e não tem a pretensão de tratar da história quer da teoria econômica quer da prática econômica, exceto na medida em que a teoria e a prática estiverem relacionadas com mudanças na opinião religiosa. “

RESUMO

Tawney traça uma linha do tempo relativa a mudança no modo de pensar dos povos europeus desde os meados da idade média até o século XVIII, descrevendo a evolução da mentalidade religiosa de condenação a todo tipo de comércio e principalmente da usura, indo, lentamentente, cedendo às transformações que levaram a prática de negócios, a cobrança de juro de ato condenável, a tolerância e, finalmente, a elevação de tais atividades como uma espécie de dom de Deus.
Para Tawney a contribuição de Lutero foi pequena pois este rompeu com a igreja mas manteve postura extremamente conservadora quanto a atividade comercial e a usura. Calvino, segundo Tawney foi mais tolerante e até mesmo defendia a atividade de negócios, embora mantivesse um pesado constrole moral e religioso da sociedade:
“Era um credo que buscava não meramente purificar o indivíduo, mas reconstruir a Igreja e o Estado, e renovar a sociedade permeando todos os setores da vida, tanto públicos como privados, com a influência da religião”.
Mas Tawney resalta ainda uma diferença fundamental nas duas correntes protestantes: enquanto a corrente Luterana defendia uma mundo rural e estático, O Calvinismo formou-se entre as camadas urbanas, entre os homens do comércio, entre os trabalhadores de cidades populosas.
O mundo de Lutero “é mais uma economia natural, do que monetária, consistindo nas barganhas miúdas de camponeses e artesãos no estreito mercado do burgo, onde a indústria é realizada para a subsistência da familia”.
“Ao contrario de Lutero, que mirava a vida econômica com olhos de camponês e de místico, eles (os calvinistas) abordaram-na como homens de negócios, nem dispostos a idealizar as virtudes patriarcais de comunidade camponesa, nem a olhar com suspeita o mero fato da iniciativa capitalista no comércio e nas finanças”.
Mas, para Tawney, não foi o calvinismo o fator determinante para a revolução definitiva na maneira de se encarar a atividade comercial, financeira e industrial. A mudança mais profunda surgiu, não no continente mas no coração da sociedade inglesa, mais precisamente no seio do movimento religioso conhecido por “puritano”.
“O crescimento, triunfo e transformação do espírito puritano foi o mais fundamental movimento do século XVII. O puritanismo, não a secessão Tudor de Roma, foi a verdadeira Reforma Inglesa, e é de seu embate contra a velha ordem que emerge uma Inglaterra moderna.”
Para Tawney o espirto independente e o culto individual da religião, caracteristicas do puritanismo foram a porta de entrada do mundo econômico na vida da sociedade. A religião puritana era um manual de vida não só espiritual mas abrangendo todos os aspectos da existencia humana. O contato com Deus era uma ação individual e independente de outros indivíduos, de autoridades, de Papas ou Reis. A vida do puritano era uma relação pessoal com Deus e todos os dons oferecidos ao ser humano deveriam ser empregados para a Sua gloria e o trabalho, a diligência, a humildade, a frugalidade e a honestidade são as virtudes abençoadas por Ele.
A prosperidade advinda do trabalho diligente revela a benção de Deus. Era como se, de repente, ficar rico fosse a prova máxima de que a pessoa estava fazendo a vontade de Deus.
Era uma forma totalmente oposta da religião predominante na idade média que condenava as preocupações mundanas e principalmente o enriquecimento. Para o cristianismo primitivo o ser humano não devia se apegar aos preocupações terrenas a busca de riqueza num mundo provisório e pecaminoso. A missão de todo cristão é de preparar sua vida para a outra vida. O puritanismo revolucionou isso com a introdução da ideia de “vocação”. A vida terrena é, na verdade, a oportunidade que o ser humano tem de agradar a Deus pelas obras e não só com palavras. O cotidiano de cada um passou a ser fundamental para a salvação da alma. Estava aí a aprovação moral que o capitalismo precisava para prosperar e impor-se ao mundo.