sábado, 25 de maio de 2013

A FLORESTA SEM LEIS


Quando observo uma floresta uma das coisas que me atraem a atenção e o que me põe a matutar é o fato de não conseguir encontrar no meio daquela exuberância de árvores pequenas, grandes, finas e frágeis, grossas e imponentes, um coordenador, uma organização centralizada, um reino das florestas, com trono, rei, fiscais, polícias e cobradores de impostos para organizar aquela profusão de galhos, cipós e raízes enroscando umas sobre as outras. Como uma floresta sobrevive sem um estado que proteja as árvores mais fracas das mais fortes, as sementes de serem devoradas pelos pássaros?
Quando saio a passear por uma floresta saudável, não danificada pelo ser humano, vejo que as aroeiras, os angelins e os cedros sobrevivem cercados de outras enormes árvores e suportam as unhas das garras dos pássaros, a picada penetrante do pica-pau, e o túnel cavado por tatus por entre suas raízes. Não consigo ver um governador da floresta, uma tábua de leis a reger o comportamento de cada uma dessas criaturas. No entanto,admiravelmente, a floresta é rica, é frondosa e cheia de vida de toda espécie.
Deve ser com essa admiração que nossos antepassados imaginaram que haveria um deus oculto que controlaria toda aquela profusão de galhos, flores, raízes, animais e aves convivendo sob o mesmo sol e a mesma lua. Comparavam com a sociedade humana, a qual, aparentemente, precisava de comandante, de leis e cadeias e imaginava que a natureza também teria seu comandante, suas leis, seus soldados invisíveis e seu inferno apropriado.

terça-feira, 5 de março de 2013

OS EMBARAÇOS DA MODERNIDADE



Nossa civilização tomou um rumo que leva as relações humanas a se segmentarem de tal maneira que desapareceu aquele momento de comunhão social caracterizado pela exposição completa das pessoas em contato mútuo umas com as outras. Nas relações comerciais interessa ao comerciante o que eu quero comprar e quanto dinheiro tenho, nas relações profissionais, interessa ao patrão quanto de conhecimento e habilidade posso fornecer e ao empregado, interessa quanto o patrão pode pagar e por quanto tempo deseja empregá-lo; ao médico, interessa saber se o paciente tem recursos financeiros para pagar a consulta e o tratamento, ao advogado, interessa saber se o cliente terá condição de pagar seus honorários, todos eles reduzindo a pessoa humana ao limite desses seus interesses. Não sei se já houve uma época em que as pessoas construíam relações mais completas umas com as outras, mas é possível constatar, pelos relatos antropológicos, que tribos isoladas do mundo moderno vêem seus membros e relacionam entre si de forma completamente holística.
Não desejo defender uma antiga idade do ouro das relações humanas, porém, vejo que posso imaginar, sem cair em embaraços, que a modernidade da civilização humana ganhou muitos recursos e possibilidades incrivelmente úteis e benéficas, só que perdendo as vantagens e facilidades que tinha no passado. Quanta coisa boa perdeu do modo de vida mais primitivo, mais sob domínio dos elementos naturais, é coisa para muita análise e reflexões. Pode ser extremamente difícil levantar essas perdas e muito mais fácil enumerar as vantagens da vida moderna, mas posso desconfiar que,  a melhor parte da vida humana perdeu-se no impacto da revolução tecnológica que nos afastou da influencia das forças naturais e nos aprisionou ao mundo dos objetos mediadores das relações e aos recursos inventados para facilitar a vida. A quantidade enorme de meios de comunicação entre as pessoas, telefone com fio, telefone sem fio, rádio, televisão, rede de computadores é impressionante e, no entanto, não se constata melhorias na capacidade de compreensão humana. Quanto mais as pessoas se falam mais se desentendem. Quanta facilidade para se contatar alguém, para manter as pessoas entre si conectadas e, no entanto, sobe à estratosfera os conflitos humanos, os queixumes de uns contras os outros!
Escrevo tudo isso, não para defender uma espécie de volta a natureza ou para lutar pela construção de outra civilização utópica anti-tecnológica, mas, sim, para tentar fazer uma balanço de nosso atual modo de vida. As mudanças constantes e em ritmo cada vez mais acelerado que acometem nossa civilização alcançou tal vertiginosa velocidade que não temos tempo de filtrar o que chega de bom e benéfico, do que surge para piorar ou até mesmo por em risco nossa sociedade.  Abandonamos outros modos de vida e abraçamos as geringonças e recursos modernos como se estivéssemos caminhando rumo ao paraíso e, contraditoriamente, mais e mais mergulhamos num mundo perigoso, autodestrutivo e inumano.
As pessoas que surgem para denunciar o progresso e brigar pela preservação da natureza acabam passando por cimo dos pontos mais críticos de nossa civilização. Percebo que falta a esses denominados “defensores da natureza” e a suas organizações, um estudo maior da  outra natureza,  aquela dos instintos e impulsos do ser humano e, principalmente, ter o cuidado de separar o que tínhamos de bom do passado que poderíamos preservar  e o que podemos abraçar do que inventamos de benéfico no mundo da tecnologia, da medicina e da comunicação. Quero dizer que negar absolutamente ou defender absolutamente o mundo moderno é perder a oportunidade de ampliar a compreensão da natureza humana e com isso, tornar possível a construção de um futuro  melhor para as próximas gerações, incluindo aí a preservação, talvez melhor dizendo, a convivência com o restante do mundo natural.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

OS POBRES DE ESPÍRITO


O cristianismo apóia-se “nos pobres de espírito” ou seja nas pessoas com pouca inteligência, com pouco estudo, não versadas em conhecimentos científicos. Mas, o cristianismo ultrapassa esse apoio e, indo além, procura cultivar a “pobreza de espírito”, impondo ao mundo ocidental, por quinze séculos a prisão do pensamento.
O cristianismo introduziu a ideia do herói fraco, do herói perdedor; Cristo foi crucificado para provar que os fracassados também podem ser considerados heróis. Na tradição grega herói era o que vencia os inimigos e defendia seu povo das ameaças dos outros povos. O cristianismo inverteu esse papel e criou a figura do anti-herói, que nada vence, que nada conquista, que não defende seu povo dos inimigos, mas, que demonstra ser da mesma natureza dos comuns dos mortais. Para os gregos os heróis eram deuses de natureza especial e superior aos seres humanos. Para o cristianismo, seu herói, abdicou dessas qualidades para descer no meio da sociedade terrena e padecer com ela dos seus sofrimentos e dores.  Portanto o herói não é mais aquele de grandes feitos, de coragem e valentia, e sim, aquele que sendo da classe superior, sendo um Deus, toma a forma humana e vai sofrer ao lado de cada individuo como um deles. Como diria Nietzsche, o cristianismo é um platonismo para os pobres. O cristianismo operou a inversão dos valores e enterrou aquela concepção de que o ideal da vida é ter coragem, ser guerreiro, de construir uma vida de grandes feitos, e colocou em seu lugar a visão do deus renunciante, do deus transformado em humano e fraco, do deus do amor.
Antes eu reverenciava e obedecia ao deus porque ele era o guerreiro que me protegia dos inimigos, e, agora, eu o reverencio e o obedeço porque ele fez o sacrifício de deixar de ser um deus para vir sentir o minhas dores de igual para igual. O guerreiro não mais transforma-se em deus por seus grandes feitos, mas por abrir mão de suas qualidades de deus para adotar o sofrimentos dos pobres. Criou-se ai a filosofia do pacifismo, da aceitação, da negação da ação. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Será Possível?

As guerras nasceram da defesa de territórios de sobrevivência, evoluíram para a predação e culminaram na de dominação. Na defesa de territórios o excesso de população cria um permanente estado de guerra. Na predação, determinadas sociedades programam-se para viver da subtração do trabalho e do bem alheio. No estado de dominação, determinadas sociedade programa-se para viver às custas de outras ou servindo-se de outras. Na maioria das vezes as relações humanas são caracterizadas por lutas por territórios com base na predação e sustentadas pela dominação, ou seja os três estágios não são necessariamente sucessores, pois comumente manifestam-se simultaneamente. Dentro das famílias ou das microsociedades esse fenômenos pode se manifestar com as mesmas características. Pessoas brigando por espaços, predando-se umas as outras e dominando-se alternadamente. Aqui surge a pergunta: é possível viver e conviver sem que as relações humanas sejam de conflitos por espaço, por bens e por exploração de uns por outros? É possível uma forma de convívio em sociedade em que todos ganham e ninguém perde? todos favorecidos pela troca de conhecimento, as vezes competindo, as vezes cooperando, sem prejuízo para ninguém? Como garantir meu território vital sem diminuir ou anular o território vital do outro? Como conseguir meus bens, cooperando ou competindo com o outro, sem que uma das partes saia no prejuízo? Como servir-me do trabalho do outro sem escravizá-lo, sem aumentar sua carga de viver na tentativa de aliviar a minha? Como isso é possível? A tecnologia tornou isso possível? Na medida que temos necessidade de cada vez menos território vital, cada vez mais facilidade de produzir bens e alimentos, cada vez mais máquinas para trabalhar por nós em vez de escravos e servos, não será que está tornando possível viver assim sem causar prejuízos uns aos outros?

terça-feira, 17 de julho de 2012

THE BIG FATHER

Eu não me comungo com a cultura predominante em nosso país, caracterizada pelo culto desmesurado ao “estado”, culto que revela certo infantilismo sociopsicológico de eterna dependência do paizão, do big father que castiga uns e premia outros. Nossa sociedade desenvolveu uma dependência tão grande do estado que parece que as coisas só podem existir depois que são criadas leis e regulamentos para tudo e para qualquer coisa. Sem as bençãos dos políticos ou a bula legal do Diário Oficial da União nada pode existir no mundo da sociedade humana. O grande contraditório disso é que, quando olhamos a prática, vemos que as únicas coisas que funcionam com razoável eficiência são as atividades que não possuem leis e imposições estatais. Sirvo-me do exemplo do pão para lembrar que não existe nenhuma lei que obrigue o padeiro a disponibilizar esse alimento no balcão da padaria para todos as pessoas, todos os dias. No entanto é isso que acontece. Todas as atividades próprias do estado funcionam precariamente ou mesmo não funcionam, basta olhar para o sistema educacional e mesmo para quaisquer outras das chamadas obrigações do governo. Os políticos arrecadam mais e um trilhão de reais em impostos, tirados do lombo daqueles que trabalham, empreendem e garantem o pão nosso de cada dia em todos as padarias do país, mesmo com o governo atrapalhando, burocratizando e muitas vezes dificultando a vida desses que trabalham e produzem. São Paulo, por exemplo, possui mais de dez milhões de habitantes, e se incluirmos os municípios pegados a ele, esse número dobra, cuja população é eficientemente abastecidas de alimentos de todos os gêneros, através de milhares de estabelecimentos comercias, feiras e mercadões. Em cada esquina temos padarias, farmácias, bares, mercadinhos, grandes mercados, frutarias, docerias e até floriculturas, tudo isso sem decretos governamentais, sem leis obrigatórias, sem imposições políticas e policiais. Já o que depende do governo não atende, não cumpre o que promete, não está disponível aos que dele precisam. No entanto, apesar de todas a evidencias, o amor ao estado, a crença no poder miraculoso dos governos, sejam eles quais forem, continua forte e firme.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

MINHAS LEITURAS -102

Livro:

UMA BREVE HISTÓRIA DO MUNDO


Geoffrey Blainey



O que temos de destaque nesse livro, sem dúvida, é o estilo do escritor. Este escreve com uma fluência fantástica. Além disso não é um livro de história universal comum, daqueles que contam os movimentos políticos, um sucessão intermináveis de guerras, conquistas, genocídios, concentrados nos personagens de poder, seus vícios e virtudes, suas ambições, vitórias e derrotas. Nesses livros tradicionais de história do mundo, o povo, seu cotidiano, os progressos materiais e de conhecimentos são pano de fundo das lutas políticas, dos jogos de poder que marcaram o nosso passado, desde perdidas eras.

Este livro de Blainey é diferente. Pode ser chamado de história do cotidiano da humanidade, de seus aventureiros, pensadores, religiosos e do povo no meio desse turbilhão de acontecimentos, guerras, momentos de paz, epidemias e da busca interminável por novos horizontes, novos conhecimentos, novas conquistas materiais e religiosas.

Um exemplo de seu estilo fluente e cativante:
“No ano de 1800, a maioria das pessoas na Europa não tinha o costume de comprar itens de vestuário em lojas e feiras. Faziam suas roupas em casa, herdavam-nas dos mortos ou compravam-nas de segunda mão das mulheres comerciantes que dominavam esse segmento. Dentro de cada família, havia um movimentado negócio não remunerado de vestuário. As roupas geralmente passavam de irmã para irmã, de irmão para irmão, e eram remendadas, recosturadas, consertadas e cerzidas conforme mudavam de mãos. Um dos benefícios de ser empregado era ganhar roupas de segunda mão, repassadas pelos senhores e senhoras. As roupas poderiam estar um pouco desgastadas, mas eram recebidas de braços bem abertos.”

Até os títulos dos capítulos revelam esse estilo quase chinês de descrever situações e ocasiões. Alguns capítulos são chamados de:
O Sinal da Lua Crescente.
Os Gansos Servagens Cruzam as Montanhas
A Gaiola.
O Olho de Vidro da Ciência
Destronando a Colheita
Nem Frutas nem Pássaros.

Quem ler esse livro passará a ver a história e a longa epopéia dos povos e das nações de uma nova maneira, mais humana e até mais alegre do que comumente lemos em pesados e enormes livros de história tradicionais.

domingo, 19 de junho de 2011

A EXPLICAÇÃO DA VIDA

Abel Aquino

Outro dia, numa conversa informal com meu pai, percebi o quão grande era o abismo mental, talvez filosófico que nos dividia. Minha cabeça foi inundada por uma luz, a luz da compreensão, aquele instante em que, repentinamente, você enxerga as coisas de uma maneira que nunca tinha visto, percebe as relações de causa e efeito de forma totalmente nova e rica. Tenho com certa freqüência esse tipo de iluminação, normalmente quando estou lendo um bom livro ou nos momentos de relaxamento ou ainda ao final de um sono reparador.
Mas, voltando ao meu pai, notei nitidamente que ele vivia sem dúvidas, não sentia necessidade de questionar as coisas nem duvidava facilmente de nenhum dos aspectos da vida, essa que tanto me faz curioso e inquiridor. Meu pai adotou a filosofia da “explicação da vida”, a filosofia totalitária e fechada, sentindo-se bem com isso. As vezes imagino que tem suas angustias e estas se manifestam em atitudes de intolerância e rigidez de raciocínio. Pergunto a mim mesmo se dá para viver bem dessa forma e a resposta que encontrei naquele momento é de que não sei. Imagino que a vida dessa forma deve ser muito pobre, restrita e talvez até perigosa, porque a todo momento as dúvidas estarão ameaçando trincar os alicerces dessas crenças rígidas. Fiz uma viagem ao passado e percebi que muito cedo eu estabelecera a luta pela ampliação de meus horizontes e pela busca incansável por montanhas mais altas, pela busca de conhecimentos e de compreensão da minha vida, da vida dos outros e, pretensiosamente, até do universo.
Poderia, pensando nisso, extrapolar e, com simplismo, imaginar que todos nós possuímos uma filosofia de vida. A do meu pai faz parte daquelas que são explicações das coisas e sua principal característica é a de serem fechadas. Da minha parte, busco aquela outra que seja uma filosofia dos questionamentos, da procura, não de respostas arbitrárias, mas de respostas que levem a outros questionamentos e aos cumes cada vez mais altos. Tento viver exercitando diariamente o método científico nos meus pensamentos, atos e escolhas.
Percebo, assim, intuitivamente, que a grande maioria dos seres humanos – pode ser uns 99 por cento? – é adepta da primeira filosofia de vida e gasta sua existência procurando religiões, ideologias ou mandamentos com os quais pauta suas pobres existências.
Gosto de perguntar sobre o papel do “medo”, daquele que se manifesta em forma de angustia existencial. O medo da morte seria uma das faces dessa aflição indefinida que move os seres humanos em direção de sistemas religiosos e ideológicos que explicam tudo, que definem as causas de tudo, o motor da vida, o sentido e os porquês. Mas, será que ao abraçarem esses sistemas estarão eles seguros e poderão apaziguar suas crenças erreais?
A impressão que tenho é de que nunca dormem tranqüilos e, então, diariamente executam aqueles ritos, repetem aquelas rezas, renovam suas promessas de submissão e obediências, tentando manter as dúvidas e as sensações de fragilidade sobre controle.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

VIVER É AFIRMAÇÃO

Custei para compreender que viver é um ato de afirmação, um esforço para construir prazeres, experiências afirmativas e luta permanente por vitórias. Sinto que a vida não é o oposto da morte e, sim, que é uma corrida cujo adversário é a morte; corro com ela, ao lado dela, não contra ela. Enquanto eu a estiver vencendo, sei que permaneço vivo. O fim da corrida é o momento da vitória da morte. Viver é afirma-se sobre a morte; o manter-me vivo é a forma que tenho para manter a morte um passo atrás de mim. Concluo, portanto, que a vida é só possível porque existe a morte. A morte afirma a vida assim como a tristeza afirma a alegria. Quanto mais funda for sua tristeza maior será a alegria quando libertar-se dela. Assim é a minha vida: quando maior é o perigo da morte maior é o prazer de viver. A importância da vida é determinada pela certeza da morte.
Muitas pessoas gastam montanhas de dinheiro para libertar-se da morte, mas até hoje ninguém viveu o bastante para dizer que esse dinheiro foi bem gasto.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

NOSSO ESPAÇO VITAL

Abel Aquino

As guerras nasceram da defesa de territórios de sobrevivência, evoluíram para a predação e culminaram na de dominação. Na defesa de territórios o excesso de população cria um permanente estado de guerra. Na predação, determinadas sociedades programam-se para viver da subtração do trabalho e do bem alheio. No estado de dominação, determinandas sociedade programa-se para viver às custas de outras ou servindo-se de outras. Na maioria das vezes as relações humanas são caracterizadas por lutas por territórios com base na predação e sustentadas pela dominação, ou seja os três estágios não são necessáriamente sucessores, pois comumente manifestam-se simultaneamente.
Dentro das famílias ou das microsociedades esse fenômenos está presente da mesmas características. Pessoas brigando por espaços, predando-se uns aos outros e dominando-se alternadamente.
Aqui surge a pergunta: é possível viver e conviver sem que as relações humanas sejam de conflitos por espaço, por bens e por opressão? É possível uma forma de convívio em sociedade em que todos ganham e ninguém perde? todos são favorecidos pela troca de conhecimento, favores e cooperação sem prejuízo para ninguém?
Como garantir meu território vital sem diminuir ou anular o território vital do outro? Como conseguir meus bens, cooperando ou competindo com o outro, sem que uma das partes saia no prejuízo? Como servir-me do trabalho do outro sem escravizá-lo, sem aumentar sua carga de viver na tentativa de aliviar a minha? Como isso é possível?
A tecnologia tornou isso possível? Na medida que temos necessidade de cada vez menos território vital, cada vez mais facilidade de produzir bens e alimentos, cada vez mais máquinas para trabalhar por nós em vez de escravos e servos, não será que está tornando possível viver assim sem causar prejuízos uns aos outros?

domingo, 28 de novembro de 2010

QUEM NÃO QUER SERVIÇAIS?

Abel Aquino

Imaginamos que aqueles ditadores sanguinários que descobrimos nos livros de história eram seres de outra natureza, talvez uma monstruosidade que raramente aparece no mundo. Mas, quando pensamos melhor, podermos perceber que todos nós, talvez a maioria de nós, temos um pouco de ditador, um pouco de sanguinário em nossa natureza. Quem não deseja usar as pessoas, não deseja que outros façam as coisas da forma que queremos; quem não deseja ter escravos e servos para fazer o serviço mais pesado de nossas necessidades? A diferença entre um de nós e um ditador do tipo de Hitler, é que, enquanto não temos quase nenhum poder de manipular outras pessoas, Hitler detinha esse poder de vida ou morte sobre milhares, talvez milhões.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

ENTRE A CRENÇA E A DESCREÇA

Abel Aquino

O que significa a expressão: acredito nisso mas não acredito naquilo?
A minha crença tem ou não tem alguma influencia sobre a realidade?
Parece que não tem, logo, acreditar ou não acreditar nalguma coisa não faz diferença.
Se acredito que tal coisa é isso ou aquilo e estiver errado minha crença é falsa e é burruce preserva-la. Quando digo que não acredito e essa descrença está errada, também não faz sentido manter essa minha descrença.
Posso afirmar que eu não acredito na lei da gravidade e você dirá: “se não acredita na lei da gravidade vá até a beira do precipício e jogue-se de lá”. Obviamente, nessa hora, não consigo sustentar minha descrença na lei da gravidade. Mas grande parte de nossas crenças e descrenças não podem ser testadas de pronto ou de maneira direta.Minha crença na vida após a morte, por exemplo, não pode ser comprovada por mim, nem por ninguém. Nenhum morte apareceu a mim para confirmar. Tenho a impressão de que as crenças são, essencialmente, artigos de fé e só funcionam para quem fica satisfeito com convicções sem provas.
Minha natureza diz que, nessas circunstâncias, seria atitude sábia não ter crença nenhuma. Acontece que a maioria das pessoas está condicionada para oscilar entre dois pólos extremos, ou seja crença ou descrença. Se não creio nisso, logo descreio disso.
Da minha parte, estou tentando viver sem ilusões e procurando não cultivar convicções ou certezas ancoradas em opiniões, tradições e costumes. Quando não tenho provas materiais, naturais ou físicas das coisas, descanço na dúvida. De qualquer forma, não vejo oposição entre crença e descrença, entre a dúvida e a fé, pois vejo que no caminho que posso percorrer entre uma posição e a outra há milhares de pontos de paradas. Isso quer dizer que quando digo que não creio em algo, significa que adotei uma posição intermediaria que não nega a crença nem adota a descrença.
A maioria de nós não consegue viver nessa posição entre a crença e a descrença e acha que precisa adotar alguma certeza, porque parece insuportável viver na incerteza.
Percebo que, depois de vencer o medo de viver com a mente aberta, sem adotar posições extremas, ou seja, sem acreditar nisso ou naquilo e ao mesmo tempo achando que é possível que isso ou aquilo possa ser verdade, nada de grave me aconteceu: não enloqueci, não me consumo em angústias, não estou tomado pelo medo do incerto.
O medo fez com que o ser humano tentasse explicar os fenômenos naturais e mentais antes de entende-los? O medo forçou o ser humano a explicar de qualquer forma, mesmo fantasiosa, as causas e efeitos das coisas?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A NATUREZA HUMANA É MÁ OU SIMPLESMENTE MALEDUCADA

Uma característica comum à imaginação utópica e até mesmo à dos que defendem uma sociedade melhor é a obsessão pela estabilidade, pela segurança, segurança não em relação a um inimigo externo, mas a possível tendência a desagregação interna.

O que revela essa obsessão?

Penso que, ao imaginar uma sociedade, tomamos por base que o ser humano é imperfeito e que precisamos, em primeiro lugar, corrigir essa imperfeição através de algum tipo de controle ou coerção. Não será porque toda sociedade que imaginamos ou desejamos é sempre uma sociedade artificial?
Mas, será que o ser humano é realmente imperfeito?
Não estamos julgando antecipadamente com base numa tradição, num condicionamento perpetuado pela religião, pelos Estados?
Se imaginarmos o ser humano como simplesmente humano, sem perfeição e ao mesmo tempo sem imperfeição, o que acontece?. Ou seja, se olharmos o ser humano sem pré-juizos o que veremos?


Não será a crença da imperfeição do ser humano um produto da coerção?


Se imaginarmos que o ser humano precisa aprender a andar, falar, controlar a bexiga, controlar a evacuação, será que também não precisamos também de aprender a viver em sociedade de maneira pacífica.

A imperfeição humana não será fruto de falhas de educação?

Nas pequenas sociedades ou nas comunidades primitivas praticamente não havia crime nem violência interna; por que isso? Será porque se conheciam e criavam seus filhos da mesma maneira, ensinando como se relacionar uns com os outro? As lições da vida que o filho recebia eram comum a todos e previsíveis. Hoje, principalmente nas grandes cidades, os filhos são educados pela rua, por miríades de meios e os pais não tem a mínima ideia do que está influenciando o seu filho nem como ele está processando o que vê, o que ouve, o que dá e o que recebe do meio com que interagem. Outra coisa, os pais tem a tendência de suavizar o mundo para os filhos, tolerando seus modos, seus caprichos e o filho acaba não aprendendo a se comportar de igual para igual, não aprende a fazer trocas justas com os outros membros da sociedade. Como a mãe torna-se uma escrava do filho e ele, quando sai para o mundo, sai a procura de outra escrava que possa substituir a mãe. Será um filho explorador de outros, insensível, oportunista.

domingo, 15 de agosto de 2010

QUEM TRABALHA E QUEM CUIDA DE QUEM TRABALHA

Abel Aquino

Estou imaginando uma sociedade em que todos os membros adultos plantam para seu sustento, cuidam e colhem seu própria alimento, fazem seus próprios utensílios e abrigos,
e, ainda, produzem algum excedente de troca. Num determinado momento parte dos membros dessa sociedade escolhe subtrair produtos de outros, em vez de produzi-los. Há uma reação de revolta entre os que foram roubados. Nesse momento alguns outros membros se prontificam a combater esses ladrões, desde que as vítimas estejam disposta a ceder uma parte de seus produtos do trabalho. Esse grupo se especializa em perseguir os larápios e em impedir, fazendo vigílias, o roubo. Temos agora dois grupos não produtivos, o dos ladrões e o dos guardiões. Se os guardiões vencerem essa guerra contra os ladrões, deixarão de ser necessários e terão de voltar para o setor produtivo da sociedade, ou seja, terão que produzir seu próprio alimento e com o suor do rosto. Mas, como já perderam essa habilidade e ficaram acostumados a viver de paga alheia, não lhes interessa acabar com os ladrões. Então o combate ao roubo é sempre parcial, controlado, de forma a criar uma dependência entre quem trabalha e quem vive de quem trabalha. A ética do ladrão, que também tem princípios, é de não roubar demais para não matar o produtor e, assim, ele próprio ter de produzir. Para o guardião, é preciso existir ladrão para que o produtor sinta a necessidade de que alguém o proteja.
Esse raciocínio pode ser estendido para as guerras entre nações. Basta, para isso, que a classe parasita convença a classe produtiva a ceder parte do que produz com seu trabalho, em troca de proteção contra a ameaça de outro povo,outra raça, outro estado. Essa ameaça pode ser real ou convenientemente inventada, pouco importa.

sábado, 10 de julho de 2010

PEDRAS ROLANDO

Abel Aquino

Quando rolo uma pedra da alto da montanha, na verdade, quando dou o primeiro impulso e movo a pedra de sua inércia, essa desce a ladeira à baixo, destruindo tudo o que está a sua frente. A primeira ação, a de iniciar a rolagem da pedra, dependeu de minha vontade, foi uma escolha minha. Depois que a pedra saiu de sua inércia e começou a rolar pelo efeito da gravidade, eu não poderia mais voltar a trás de minha ação. Sou capaz de imaginar as conseqüências do meus ato, mas só parcialmente.O estrago que ela causa não será inteiramente prevista pois pode desviar, nas irregularidades do terreno, para a esquerda ou para a direita, deslocar outras pedras e terminar numa avalanche.
No entanto o que aconteceu não foi mais obra minha mais obra da pedra; eu apenas desencadeei o processo.
Com nossas ações, resultantes de escolhas até certo ponto voluntárias e meio conscientes, geram outras ações e eventos inimagináveis sucessivamente e que não mais dependem de nossa vontade.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A CONFUSÃO ENTRE DIREITO E PRIVILÉGIO

Abel Aquino

Dentro da visão sociológica da pessoa comum, não sistematicamente jurídica, mas de bom senso, procuro perguntar: o que é direito?

Restringindo a pergunta, repito, o que é direito para mim?

Por exemplo, ouço falar muito no direito à moradia, e isso confunde minha cabeça. Ter direito à moradia significa que ninguém pode me impedir ou dificultar os meus esforços para conseguir casa própria para mim e minha família? Ou o direito a essa moradia, segundo o que ouço dizer, significa obrigação do estado? Se dar moradia ao povo é obrigação do estado, logo não é obrigação minha, portanto, não preciso poupar parte do dinheiro do meu salário para comprar uma casa. Mas me vem a seguinte questão, uma moradia envolve o trabalho de muitas pessoas, tais como engenheiro, pedreiro, encanador, pintor. Bem, dirão os defensores desse direito, o estado paga, o estado banca os custos da sua moradia e a de todos os pobres. Mas o estado não tem renda, como vai pagar? Esses mesmos defensores esclarecerão: o estado vai tirar dos ricos e remediados e dar aos pobres.

Penso que entendi: a afirmação é a de que o estado tira dinheiro dos que tem de sobra e, com esse recurso, banca o custo da construção de minha casa própria.

Mas o estado consegue tirar dinheiro dos ricos sem, com isso, afetar os próprios pobres?

Vamos raciocinar um pouco e perguntar: o rico não tem meios de repassar os custos dos impostos?

Imagino uma situação em que um grande industrial produz óleos, farinhas e massas e que, na hora de colocar preço, considera os impostos como custos somados aos outros custos. Portanto, eu, como pobre, na hora de comprar óleo ou macarrão, estou ao mesmo tempo pagando o imposto que o industrial deve recolher. Na realidade, quem está pagando imposto somos nós da classe mais baixa. Portanto, a minha casa, que o estado tem obrigação de me dar quase sem custos, está, através de uma triangulação complicada, sendo paga por mim mesmo na qualidade de consumidor.

Mas por que criaram essa lei de direito que obriga o estado a arrecadar imposto e fazer caixa para financiar minha moradia?

Se estou raciocinando corretamente, imposto gera custos e esses custos são diluído para toda a sociedade; qual a conseqüência disso?

Vou tentar analisar como funcionam algumas leis econômicas. O custo para se produzir alguma coisa, somado ao lucro do fabricante, vai compor o preço final do produto. Como meu salário é fixo, não elástico, seu poder de compra está diretamente ligado aos preços dos produtos de que necessito para viver eu e minha família, logo o imposto afeta a minha capacidade de compra. A conclusão que chego é que o imposto me faz mais pobre do normalmente seria. Então, que vantagem obtenho acreditando que os políticos são um bom intermediário entre mim e minha casa própria? Os defensores desse direito sem contrapartida, poderão alegar, imagino, que os custos estarão diluídos pela sociedade toda e me esforçarei menos para ter a casa própria, ou seja os custos serão repartidos, de forma indolor, com toda a sociedade. Acontece que o pobre é, essencialmente, um consumidor de produtos básicos.
Já para o rico ou para a alta classe média os produtos básicos tem peso insignificante no seu custo de vida. Logo, proporcionalmente eu, como pobre, pago mais imposto que o rico. A conclusão que chego é que o estado, - no caso os políticos - faz todos os pobres mais pobre para, com isso, distribuir facilidades a esses mesmos pobres. Nessa hora vem-me à mente a questão ética que diz que todo recurso que eu obtenho só é legitimo se for conquistado com trabalho honesto.
No caso do direito à moradia, os políticos estão passando a idéia de que é possível aliviar meus esforços de busca de renda ou de poupança para conseguir bens. E a forma escolhida para isso é distribuir a carga por toda a sociedade. Acaba estabelecendo uma contradição, a saber, todos trabalham um pouco mais para que individualmente um ou outro tenha sua morada própria com menos trabalho. Acho que ninguém acredito que o estado poderá, um dia, dar casa própria para todos os que precisam.
A comparação com a loteria é inevitável: se João ganha uma bolada é porque milhares de outros jogadores perderam alguma soma. Como essa perda é pequena todo o mundo a suporta, compensada pela fantasia de algum dia chegar a sua vez.

Como vivemos num sistema político que eu classificaria como mera democracia de voto, qualquer político sensato vai estar sempre querendo agradar o eleitor e quanto mais imediato for esse agrado mais garantia terá o político de voto do pobre.

Será, então, que o estado intervém no sistema de moradias apenas para ter votos?

Na realidade os políticos terão mais que meu voto; terão meu agradecimento, terão minha dependência que, imagino, é a característica mais importante de todo esse processo. Qualquer cidadão observador percebe que tudo o que o político quer é ter o povo dependente, a sociedade crente na necessidade de um estado tipo paizão, quebra galho geral, tanto dos pobres quanto dos espertos.
Em realidade, pelo que se vê, mais propenso a beneficiar aos espertalhões do que aos singelos membros da classe inferior. Quando damos uma olhada na imensa montanha de dinheiro que o governo arrecada de forma obrigatória e arbitrária, vemos que a parte que volta para o pobre é insignificante, fazendo mais o papel de remédio contra a dor de consciência do que de retorno efetivo a quem de direito.